Coluna

CONTRA O MAL

Foto: Sander Sammy / Unsplash - 

Juiz de Fora (MG) - O perdão e o mal são incompatíveis? Se desejamos o mal a alguém, onde estará a possibilidade de dar o perdão? Podemos imaginar que aquele que pratica o mal, quando finalmente se declara arrependido nos leva a pensar se aquele pedido de trégua não esconde apenas uma frustração porque não conseguiu seu intento? E a pergunta permanece: se fosse vitorioso seria condescendente? Tentaria fazer um mal um pouco mais extenso e danoso?

O mal se alimenta do próprio mal e para aquele que o pratica, sendo vitorioso nos primeiros momentos, não tem a intenção de interromper sua escalada. É como uma carreira pautada, exclusivamente, em causar danos ao outro. É um tipo de poder, essa insensibilidade quanto ao sofrimento do outro. É um regozijo sem fim. O mal, por si mesmo, pode ser a vingança mas seria a cura, a redenção? E como a vingança, que pouco tempo tem de prazer, a cura ou a redenção poderiam requerer que se continue a praticar a doença?

“O mal se faz de uma vez, o bem aos poucos”, nos dizem os ensinamentos ao “Príncipe”, de Maquiavel. Ele é como uma ducha de água fria sobre os outros pretendentes, é uma forma de autoafirmação do poder, de estar acima de todos. E estar acima de todos é coisa efêmera, de curta duração.

Muitas sociedades clamam por justiça, condenando à prisão não aqueles que desafiam as leis, mas aqueles que não concordam com o grupo, supostamente, majoritário. A justiça, nesse caso, se torna justiçamento, quando mata aqueles que pensam de forma diferente, ou agem para “desestabilizar” a sociedade ao cometer crimes. E merecem, os delinquentes, um castigo justo, para que nunca mais se atrevam a cometer crimes. E quanto àqueles que discordam na maneira de fazer justiça?

No entanto, quando o mal se instala como poder, somente o mal pode dialogar com ele. O mal tem uma luta intestina que escraviza aqueles que veem nele a solução para todos os problemas. O mal é diabólico no sentido de ignorar a humanidade, e o humanismo envolve a compreensão do diferente. O mal não respeita, o mal se autoalimenta e precisa cada vez de mais doses de maldade para sobreviver. Nada resite à avalanche de sandices do mal.

Uma sociedade enfurecida não consegue enxergar nada além de si. Mesmo justas, as lutas se encerram no mal para sobreviver, na verdade conseguem que o mal sobretudo vença, em qualquer das hipóteses.

O mal não estuda, não lê, é apegado a instituições ao seu moralismo individual, afeito aos aparatos de segurança, porque o mal necessita de uma justificativa para sua existência. Nenhum mal é maior do que ele mesmo. Ele é o topo da incompreensão humana, a pior relação com o próximo, inclusive aqueles que lutam por ele, e depois em algum momento lutarão entre si.

Se queremos lutar contra o mal, é preciso não responder na mesma moeda. Essa troca enriquece cada vez mais a incompreensão e o entendimento entre pessoas e grupos. 

Lutar contra o mal é ignorá-lo. Para aqueles que praticam a maldade como forma de viver, o isolamento é o maior mal que podem sofrer. O mal precisa do oponente. Quando ele não o tem, ele se perde dentro de si mesmo.

Devemos retribuir o mal com o amor? Acredito que a indiferença seja melhor.
 

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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