Educação

Do cafezal ao doutorado: a jornada de Adriano Sílvio, ex-boia-fria que virou cientista na UFV

Filho de agricultores sem escolaridade, mineiro de Matipó superou a pobreza extrema para se tornar doutorando, professor e referência em medicina veterinária

Adriano Sílvio Neto
Reprodução / Instagram - 

MATIPÓ (MG) – Aos nove anos, Adriano Sílvio Neto já sabia o peso do trabalho sob o sol. Nascido em uma família de trabalhadores rurais em Matipó, na Zona da Mata mineira, Adriano cresceu nas lavouras de café, ao lado dos pais, avós, irmãos e tios. A rotina começava cedo, ainda no escuro da manhã, e só terminava com o corpo exausto ao entardecer. Estudar, naquela realidade, parecia um sonho distante. “Mal conseguíamos garantir três refeições por dia e vivíamos em seis pessoas em uma casa pequena, sem reboco.”, relembra Adriano.

Hoje, aos 35 anos, Adriano é doutorando em Medicina Veterinária na Universidade Federal de Viçosa (UFV), referência nacional na área. Leciona na Faculdade do Futuro, em Manhuaçu, atua como veterinário na rede pública da cidade e integra grupos de pesquisa com foco em diagnóstico por imagem e biotecnologia veterinária. Em 2022, foi premiado em um dos principais congressos da área, com menção honrosa em diagnóstico por imagem.

“Educação era meu único caminho”

A virada começou aos poucos — e por conta própria. Sem internet, cursinho ou livros atualizados, Adriano improvisou uma mesa de tijolos e uma tábua. Estudava à noite, após o trabalho na lavoura. Usava livros antigos do ensino médio e, sozinho, preparou-se para o Enem. “Estudava em condições precárias: sem um ambiente adequado, improvisei uma mesa com tijolos e uma tábua para me preparar para o Enem. A pobreza extrema nunca foi motivo para desistir da educação, e sim combustível para insistir nela. Eu acreditava que o estudo podia mudar minha vida. Era minha única chance.”

Em 2015, conquistou uma bolsa integral do Programa Universidade para Todos (Prouni) e se formou com louvor em Medicina Veterinária.  Logo depois, ingressou no mestrado em Bioquímica Aplicada na UFV, onde se destacou com uma pesquisa sobre catarata canina. A trajetória acadêmica o levou ao doutorado e à docência universitária — tudo isso enquanto seguia atendendo como veterinário em sua região de origem.

Reprodução / Instagram 

Livro e reconhecimento

Em 2019, Adriano lançou Diário de um Bóia-Fria, autobiografia que narra sua infância nas lavouras e a superação das barreiras sociais. O lançamento da obra foi durante as comemorações do aniversário da Escola Estadual do Bairro Boa Vista, em Matipó, onde estudou. Agora, ele prepara um segundo livro, no qual detalha os desafios enfrentados desde a infância — incluindo episódios de discriminação relacionados à sua condição socioeconômica — e as diversas barreiras superadas ao longo da trajetória.: “Não basta passar no vestibular, o ambiente também impõe barreiras. Mas resistir é parte do processo”, diz.

O ex-bóia-fria também ganhou espaço como palestrante e motivador em escolas e universidades da região. “Quero que minha história inspire jovens de origem humilde. A educação pode não ser fácil, mas é possível. Mesmo para quem começa de muito baixo”, afirma.

Atualmente, Adriano participa de grupos de pesquisa da UFV, com foco em diagnóstico por imagem. É autor de artigos científicos, ministrou oficinas em congressos e foi reconhecido nacionalmente por sua atuação acadêmica.

Apesar das conquistas, mantém os pés no chão. “Minha origem é rural e me orgulho disso. Muitos jovens como eu são invisíveis, mas carregam uma inteligência e uma força incríveis. Só precisam de oportunidade.”

Adriano é o retrato de uma ciência que vem do campo, da periferia e das histórias esquecidas. Representa milhares de trabalhadores braçais que sonham com o estudo como forma de libertação. Seu exemplo mostra que, com políticas públicas, acesso e persistência, o Brasil rural pode formar doutores — e transformar destinos.

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