- Athaliba, este 2025 estabelece o marco de 50 anos de dois discos extraordinários da obra do compositor e cantor baiano Caetano Veloso. São Jóia e Qualquer coisa. O duplo lançamento pela Polygram/Philips - não se trata de álbum duplo - teve objetivo distinto, no sentido de mostrar músicas de projetos desiguais. O artista incursionou de forma ousada, aliás, como é característica dele, pelo processo de criação sem dar limite à asa da imaginação.

- Marineth, gosto dos citados LPs, dentro da discografia do Caetano. O Jóia teve a capa censurada. Caetano, a mulher Dedé e o filho Moreno posavam nus. E só foi liberado pela censura da ditadura civil-militar (1964-1985), no governo do general Ernesto Geisel, com pombas cobrindo o pênis do artista. Anos depois, Fernanda Young comentou que “o que se vê na foto é amor e respeito, acolhimento, comunhão com a natureza; pois o pervertido é aquele que censura”.
- Athaliba, no repertório tem “Minha mulher”, seguida de “Guá”, parceria com o Perinho Albuquerque; “Pelos olhos”; “Asa, asa”; “Lua, lua, lua, lua”; “Canto do povo de um lugar”; “Pipoca moderna”, parceria com Sebastião Biano; “Jóia”; “Help”, Lennon e McCartney; “Gravidade”; “Tudo tudo”; “Na asa do vento”, de Luiz Vieira e João do Vale; e “Escapulário”, música de Caetano sobre o poema de Oswald de Andrade, publicado no primeiro livro dele, Pau Brasil, em 1925.
- Marineth, já Qualquer coisa, fotos desfocadas em cores desbotadas, na capa, abre com a música título. Segue “Da maior importância”; “Samba e amor”, de Chico Buarque; “Madrugada e amor”, de José Messias; “A tua presença, morena”; “Drume negrinha”, versão de Ernesto Grenet (Gal Costa dizia ser em homenagem a Preta Gil, sua afilhada, ao nascer); “Jorge da Capadócia”, Jorge Ben Jor; “Eleonor Rigby”, “For no one” e “Lady Madonna”, de Lennon e McCartney; “La flor de la canela”, de Chabuca Granda e “Nicinha”.
- Athaliba, ocê se referiu acima os discos ser LP, iniciais de Long Play. É preciso explicar às atuais gerações que o termo elepê significa disco de vinil que, em geral, tem álbum completo, com várias músicas e uma duração superior que um single ou EP. O mercado fonográfico mudou muito, frente ao avanço da tecnologia e da exploração exacerbada de empresários, cujo principal objetivo era de ampliar fortuna. Qualquer coisa como exploração é exacerbada. Não é jóia.
- Sei como é isso, Marineth, Fui assessor de imprensa de gravadora constituída de capital nacional e portadora do maior cast (elenco, em português) de artistas. Na ponta, Elizeth Cardoso, a Divina, e Wanderley Cardoso, no final da extensão, passando por Ângela Maria, Maysa, Paulo Sérgio, Nelson Ned, Benito di Paula, Wando, Trio Nordestino, Moacir Franco e Teixeirinha, entre outros. As duplas Zezé di Camargo e Luciano e Chitãozinho e Xororó foram reveladas lá.
- Athaliba, a experiência jornalística foi boa, na indústria fonofráfica?
- Marineth, foi interessante. Fundada pela família Vitale, em 1948, no Rio de Janeiro, logo a gravadora se transferiu para São Bernardo do Campo, em São Paulo. E, na década 70, Rosvaldo Cury, Gunter Csasznik e Adiel Macedo de Carvalho a adquiriram. Com Cury contestei provocação de que alguns artistas, como Caetano Veloso, por ele citado, assim como Fagner, que começava a carreira artística, não eram pessoas asseadas.
- Que trem doido foi esse, Athaliba? As aparências enganam né?
- Marineth, à época ainda reinava a cultura hippie, surgida nos anos 1960. O movimento se caracterizava pela rejeição de valores convencionais, à busca da paz e amor, liberdade sexual, num estilo de vida alternativo. Então argumentei que, por detrás da desarmônica aparência, eles tinham talento, incomparável com alguns artistas que faziam apelo popular na gravadora dele.
- Como ele reagiu, Athaliba?
- Marineth, ele saiu da minha sala de trabalho (tinha vôo para São Paulo) e religuei a vitrola para ouvir Manera fru fru, manera, primeiro LP do Fagner. E, anos depois, abdiquei de fazer o release (texto para a imprensa divulgando lançamento de disco) do LP Tudo está no seu lugar, de Uday Vellozo, cujo nome artístico é Benito di Paula. E, assim, retornei ao jornal Última Hora.
- Athaliba imagino a dificuldade de ajustar o apelo da música com a situação política no Brasil à época. Conflitante. A repressão da ditadura do regime civil-militar era brutal; diferente da música que exaltava: “Tudo está no seu lugar/Graças a Deus, graças a Deus/Não devemos esquecer de dizer/Graças a Deus, graças a Deus”. É, amigo, também faria opção de ficar com Caetano Veloso. Pra descontrair, sugiro a audição de Jóia e Qualquer coisa. Vale a pena!!!
Comentários
Alô, amigo! Como está? Pelo jeito, muito bem, muito ligado no que interessa. Grande abraço, amigo, grande prazer em ler vc.
Quantos sucessos de Caetano, nessa jornada de luta em prol da cultura e da Musica Popular Brasileira. Fico pensando e me preocupa essas joias raras, como: Caetano, Gil, Alcione, e tantos outros, não vejo ninguem capacitado em manter vivo esse requinte em musicas que na verdade são verdadeiras historias cantadas, poesias e experiencias reais. Viva o musico brasileiro, viva a MPB.