Nova diretriz sobre obesidade propõe foco em saúde e qualidade de vida, não só no peso
Documento atualizado orienta médicos e pacientes sobre uso de medicamentos e reforça que tratar obesidade é cuidar de uma doença crônica

Brasília - A forma de encarar a obesidade está mudando no Brasil. A nova Diretriz Brasileira para o Tratamento Farmacológico da Obesidade, lançada pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), reconhece oficialmente a obesidade como uma doença crônica que exige tratamento contínuo, individualizado e baseado em evidências científicas.
O documento atualiza as recomendações clínicas, incorporando avanços importantes da última década. Entre os destaques estão o uso mais amplo de medicamentos específicos, metas de perda de peso mais realistas e o reforço de que o principal objetivo do tratamento é melhorar a saúde, a funcionalidade e a qualidade de vida do paciente — e não apenas “emagrecer”.
“É uma mudança de paradigma. O objetivo não é mais apenas normalizar o peso, mas sim promover saúde, funcionalidade e qualidade de vida com metas possíveis e sustentáveis”, explica o endocrinologista Bruno Halpern, vice-presidente da Abeso.
Metas mais realistas e tratamento mais acessível
A nova diretriz orienta que, em vez de perseguir o peso “ideal” ou um IMC dentro da faixa de normalidade, o foco deve estar na redução de ao menos 10% do peso corporal — índice que já traz benefícios importantes para doenças associadas, como diabetes tipo 2, hipertensão, apneia do sono e problemas no fígado e nas articulações.
“A gente mudou esse conceito. A gente tem indicado medicações para obesidade antes de mudanças no estilo de vida, em decisão compartilhada com o paciente”, afirma o endocrinologista Fernando Gerchman, que coordenou o grupo responsável pela elaboração da diretriz.
Novas medicações e uso personalizado
Desde a última diretriz, em 2016, surgiram novos medicamentos com alto potencial de controle do peso, como liraglutida (Saxenda), semaglutida (Wegovy) e tirzepatida (Monjauro) — todos aprovados para uso no Brasil.
Esses medicamentos agora são priorizados quando disponíveis, especialmente nos casos em que o paciente tem comorbidades ou não obteve resultado apenas com mudanças no estilo de vida.
“A semaglutida, por exemplo, reduziu em 20% os eventos cardiovasculares em pacientes com obesidade e histórico de doença cardíaca. Já a tirzepatida mostrou, em estudo com pessoas com pré-diabetes, uma redução de 99% na incidência de diabetes tipo 2”, destacou Alexandre Hohl, diretor da Abeso.
A nova diretriz também reconhece o uso off-label — ou seja, o uso de medicamentos que não são oficialmente indicados para obesidade, mas que mostram eficácia comprovada.
“O uso dessa estratégia deve ser individualizado, levando em conta a saúde geral do paciente, a presença de comorbidades, a resposta prévia ao tratamento e o custo”, explica Marcio Mancini, coordenador do Departamento de Farmacoterapia da Abeso.
Mais do que remédio: comportamento, hábitos e contexto
Apesar do foco na atualização farmacológica, a diretriz reforça que nenhuma medicação substitui a importância de hábitos saudáveis. A recomendação é que o uso de remédios seja sempre acompanhado, desde o início, por orientação alimentar, atividade física e suporte psicológico.
Outro ponto importante é a personalização do tratamento. A diretriz sugere que o perfil alimentar e o comportamento do paciente sejam levados em conta — o que ajuda a identificar abordagens mais eficazes.
“Identificamos que, ao classificar pacientes com base em comportamentos alimentares, conseguimos oferecer um tratamento mais direcionado e eficaz”, afirma Gerchman.
Grupos específicos e tratamento contínuo
A diretriz também traz recomendações específicas para idosos com perda de massa muscular (sarcopenia), pessoas com câncer associado à obesidade ou insuficiência cardíaca. Nesses casos, o tratamento da obesidade pode melhorar a resposta a outras terapias e reduzir complicações.
Outro alerta importante é sobre a continuidade do tratamento. Parar o uso de medicamentos sem acompanhamento pode levar à recuperação do peso perdido.
“O que os estudos mostram é que, quando o medicamento é interrompido, o peso volta. A diretriz reconhece isso e recomenda a manutenção terapêutica com reavaliação constante”, reforça Mancini.
A diretriz também contraindica o uso de fórmulas perigosas, como misturas com diuréticos e hormônios sem eficácia comprovada — prática ainda comum no Brasil.
O que muda na prática
Confira os principais pontos da nova diretriz da Abeso:
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• A obesidade é reconhecida como doença crônica que requer tratamento contínuo;
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• A perda de 10% do peso corporal já é considerada um alvo clínico importante;
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• O uso de medicamentos pode ser iniciado antes das tentativas de mudança no estilo de vida, conforme o perfil do paciente;
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• São considerados novos critérios de avaliação além do IMC, como circunferência da cintura e relação cintura/altura;
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• O tratamento deve ser individualizado, levando em conta aspectos genéticos, sociais, psicológicos e comportamentais;
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• Grupos como idosos, pessoas com câncer ou insuficiência cardíaca têm recomendações específicas;
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• O uso de fórmulas com substâncias não validadas é desencorajado.
A diretriz foi construída com base nas melhores evidências científicas e em consenso com 15 sociedades médicas brasileiras. Segundo a Abeso, ela representa um avanço na forma como a obesidade deve ser compreendida e tratada no país.
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