Coluna

SIMPLESMENTE, AMOR.

MULHERES NO JARDIM
Foto: Roxxie Blackham na Unsplash - 

Juiz de Fora - Márcia, depois de pensar bastante, resolveu entrar em um site de relacionamentos. Quando abriu a tela, um formulário imenso pedia várias informações sobre sua vida pessoal, incluindo sonhos, fantasias, cor da pele, religião, vida profissional, ambições. Eram tantas as informações que Márcia começou a se desiludir: ela somente queria encontrar alguém que a amasse, alguém que dissesse em seu ouvido as três palavras mágicas que nunca ouvira.

Diante de tantos espaços em branco pra preencher, ela decidiu escrever somente “Quero ser amada”. E os únicos espaços que preencheu corretamente foram seu nome, o estado civil e o sexo.

Por um sistema de segurança do site, o seu formulário era sempre rejeitado e ela precisava começar novamente a preenchê-lo. Não desistiu e de tanto forçar o envio, em um determinado momento, sua mensagem fora enviada com sucesso.

A seguir, algumas instruções foram mandadas e pediram que ela aguardasse o retorno de algum pretendente.

Dias se passaram e não recebia nenhuma resposta.

Pensou consigo mesma se não havia ninguém no mundo que se importasse em querer amar alguém. Caminhava pelas ruas e observava os casais passando abraçados e, na troca de sorrisos, imaginava uns para os outros dizendo palavras de amor.

O site ficava aberto no seu computador diariamente, atualizava o e-mail, renovava as suas fotos no site, na esperança de receber alguma resposta. Lia as notícias de sucesso envolvendo os participantes, que contavam suas histórias, as maneiras como se encontraram, postavam suas fotos sorridentes, abraçados, alguns já com filhos nos braços, e se perguntava se havia entre eles um amor tão grande assim, do tamanho da alegria que seus rostos estampavam?

Chegou a julgar que o seu perfil não havia sido publicado, apesar de a mensagem ter sido enviada com sucesso. Mas ele estava lá, atualizando suas fotos, e na sua leitura de dados pessoais, a expressão “Quero ser amada” permanecia inalterada.

Com certeza, a teriam tomado por louca, por que afinal alguém insistiria tanto em ser amada? Sentiu-se uma pessoa diferente na sua busca por algo tão simples assim.

Ao contrário de perfis bem comportados, em que pessoas colocavam sonhos, fantasias, deixavam qualidades que, com certeza, não eram factíveis ou não existiam, ela estava determinada a procurar alguém que somente tornasse realizável o óbvio entre dois seres.

Após meses, finalmente, no alto do site, apareceu um pequeno envelope que ficava piscando, como se fosse uma câmera, um olho eletrônico alertando-a que alguém resolvera responder sua chamada.

Com os dedos trêmulos acionou a caixa postal e uma longa carta se expôs. Esse alguém dizia para ela primeiro a curiosidade enorme que seu formulário causou; não falava de fantasias, desejos, vida profissional a ser atingida, ambições, nada, somente falava da curiosidade em saber mais sobre uma pessoa que queria ser amada. Márcia se entusiasmou, imaginando quem seria aquele que entendera o seu recado.

Ao final da carta, surpreendentemente, o perfil do seu correspondente era de uma outra mulher. Ela entendia tudo que falava, sentia, tinha os mesmos desejos, de ser amada incondicionalmente.

Resolveram se encontrar, cumprimentaram-se e Márcia encontrou em Juliana uma conversa igual, igual de pensamentos e de desilusão com o mundo.

Com o tempo, resolveram morar juntas e repartir os seus dia a dia, frequentarem os mesmos lugares e começaram a descobrir muita coisa em comum. Não se preocuparam em repartir no site a experiência que tiveram. Até porque ela até hoje não terminou com ela, e também ninguém entenderia o que é ser amada de verdade, um amor entre dois seres, simplesmente.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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