Coluna

Alcione: enredo controverso?

- Athaliba, a escolha da cantora maranhense Alcione como tema na Mangueira para 2024 não “caiu como uma luva” na comunidade verde e rosa. O aviso do enredo no site da agremiação, que repercutiu nas redes sociais, jornais e revistas, causou controvérsia. Para alguns enraizados mangueirenses, a cantora e compositora Leci Brandão é que deveria ser homenageada. Segundo afirmam, ela tem profundo pertencimento à escola e, além disso, a contextualização de sua vida proporcionaria melhor desempenho para o desfile. O que ocê acha dessa polêmica?

- Marineth, não me cabe, por questão de ética, entrar no mérito sobre qual das referidas artistas tem mais bagagem para ser enredo da Mangueira, entre uma e a outra. Claro, o caso tem a minha total deferência, garantindo-se o sagrado direito de divergência como fonte inesgotável para depuração. Se uma parcela de componentes da verde e rosa prefere a Alcione e se outra opta pela Leci Brandão, creia, o assunto diz respeito à agremiação.

ALCIONE
No aniversário de 95 anos da Mangueira, a cantora Alcione será formalizada enredo da escola. / Divulgação - 

- Bem, Athaliba, a presidente da Mangueira, Guanayra Firmino, disse na nota oficial do site da escola que ter a Alcione como enredo é seu desejo “há mais de 10 anos”. O convite foi feito na casa da artista, que se manifestou “muito honrada e emocionada com o convite, pois nunca imaginei tamanha homenagem”. Na curta, abreviada mensagem, a direção da escola noticiou que o lançamento do enredo e logomarca oficial será 28/4, dia de aniversário de 95 anos de criação da agremiação carnavalesca. Ocê pode dizer qual das duas artistas tem mais representatividade no cenário da música popular, pelo menos?

- Marienth, isso é competência do público. Não insista e faça a pista. Faz-se necessário, no entanto, observar o óbvio ululante. Sem fazer comparação entre as artistas. Presentemente, a Alcione tem mídia global, enquanto Leci Brandão reduziu as atividades artísticas para dedicação plena à política. A cantora de São Luís do Maranhão, formada professora primária, já contabiliza mais de 40 anos de carreira artística, ininterruptamente. Acumula prêmios de disco de ouro, disco de platina e troféus por mérito de alta vendagem de discos e DVDs no mercado fonográfico. Consta na galeria de galardões dela títulos e honrarias como Grammy Latino de 2003, prêmio da ABL -Academia Brasileia de Letras -, comenda da Ordem do Rio Branco, medalhas Tiradentes e Pedro Ernesto, além de tantas outras condecorações.

- Athaliba, será que a Leci Brandão encerrou a carreira artística?

- Marineth, a cantora Leci, nascida em Madureira, bairro cantado como “capital do samba”, berço da Portela e Império Serrano, não se jubilou. Foi criada em Vila Isabel. Ela é a primeira mulher a integrar a ala de compositores da Mangueira. Deu um tempinho na trajetória de cantora e compositora, iniciada década de 1970, para se dedicar à política. Foi comentarista de desfile de escolas de samba no Rio de Janeiro e em São Paulo, pela TV Globo. Gravou duas dezenas de discos e DVs, com canções político-sociais em defesa de segmentos discriminados pela elite dominante que faz fortuna, enriquece cada vez mais, com o atraso do Brasil.

- Como tem sido a atuação política da artista, Athaliba?

- Marineth, a Leci Brandão tornou-se conselheira da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em 2004, e integrou o Conselho nacional dos Direitos da Mulher. Filiou-se ao PCdoB - Partido Comunista do Brasil -, em 2010. Foi eleita deputada por São Paulo, sendo reeleita em 2014 e 2018. É a segunda deputada negra da história da ALESP e se dedica à promoção da igualdade racial, ao respeito às tradições de matriz africana e à defesa da cultura popular brasileira.

- Athaliba, é provável que muita gente não saiba que, longe dos palcos e dos holofotes de shows, a artista tem prestado importante serviço à sociedade.

- Marineth, na atuação parlamentar, a Leci já apresentou mais de 100 projetos e teve 37 leis aprovadas. Mas, creia, tenho saudade dos shows dela no Teatro Opinião, nas inesquecíveis noitadas de samba, organizadas pelo ator e produtor cultural Jorge Coutinho, nos anos 1970.

- Athaliba, se ocê não ouviu, então ouça o “Zé do Caroço” dela, que diz: “No serviço de alto-falante/Do Morro do Pau da Bandeira/Quem avisa é o Zé do Caroço/Alertando a favela inteira/Como eu queria que fosse em Mangueira/Que existisse outro Zé do Caroço/Prá dizer duma vez prá esse moço/Carnaval não é colosso/Minha escola é raiz, é madeira”. Salve a Leci!!!

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

Comentários


  • 21-03-2023 15:30:01 Ise

    Hum avalio q uma personalidade p ser enredo precisa ter legado histórico e social conhecido....Não tenho como opinar..conheço superficialmente a história das mulheres citadas no artigo.