Coluna

Mogangueiro da cara preta

- Marineth, a grande surpresa do desfile das escolas de samba, em 2023, poderá ser a Paraíso do Tuiuti. O enredo Mogangueiro da cara preta, executado pelos carnavalescos Rosa Magalhães e João Vitor Araújo, tem tudo para gerar irreverências e levar ao delírio o público no sambódromo. É provável que o ciclo do mito pés de barro, que meteu os pés pelas mãos, quando ocupou o trono da presidência da República (ele foi para os EUA, deixando seguidores à deriva), seja abordado. E tudo embalado por samba de excelente qualidade. E aí, assim sendo, teremos uma diferenciação marcante entre as escolas: picardia de um lado e, do outro, luxo nas alegorias.

- Athaliba, é quase certo que a Rosa e o João não irão perder a oportunidade de alfinetar o mito pés de barro. Afinal, nunca antes na história do Brasil tivemos um personagem tão fantoche na política. Jânio Quadros e Fernando Collor são fichinhas perto dele. No desfile da escola, 2018, o Michel Temer foi personificado como “presidente vampiro” do neoliberalismo, no enredo que indagava Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão? O vampiro foi encarnado por Léo Morais, professor de História, no carro alegórico apelidado neo tumbeiro. Ele disse que “esse protesto é a minha cara e acho que a gente está fazendo uma coisa que todo mundo quer”.

CARNAVAL
Divulgação - 

- Marineth, lembro bem. A Paraíso do Tuiuti sagrou-se vice-campeã do Carnaval e ganhou fama, a partir daí. O enredo questionava as precárias condições de trabalho, baixos salários e a reforma trabalhista. O vampiro (Michel Temer foi preso na Lava Jato) ostentava faixa presidencial e tudo mais. Por discorrer sobre faixa, o mito pés de barro acabou proporcionando ao sucessor um fato inédito que entrou para a história da cerimônia de transmissão de posse presidencial. A imagem representativa da maioria da população brasileira percorreu o planeta pelas manchetes de jornais e notícias na internet. E foi celebrado pela maioria da população.

- Athaliba, será que a escola exibirá personagem distinguindo o mito pés de barro no jardim do Palácio da Alvorada oferecendo cloroquina para emas, na pandemia do Covid-19 que já matou até a presente data 694.806 brasileiros? O mito pés de barro será caracterizado com criança nos ombros vestindo farda do Batalhão de Rondas Táticas Metropolitanas de Minas Gerais e com fuzil de brinquedo? Será que teremos no desfile carro alegórico reproduzindo reunião presidida pelo mito pés de barro à qual foi sugerido a ele por um ministro “ir passando a boiada e mudando todo regramento ambiental”? Será? Será? Será?

- Marineth, o caso repulsivo da criança empunhando fuzil de brinquedo nos ombros do mito pés de barro, em BH, indignou a SBP. A direção da Sociedade Brasileira de Pediatria baixou nota pedindo reflexão às autoridades sobre “os efeitos de ações de mídia e de marketing que devem se basear na legislação e na ética, e nunca serem maiores que o compromisso com a dignidade da população brasileira”. Bem, dentro do conjunto de atos maléficos do mito pés de barro, não faltará críticas. Pois o conceito de carnaval significa “subversão ou marginalização de padrões ou regras (sociais, morais, ideológicas) favorável a conteúdos ligados aos instintos e aos sentidos, ao riso, à sensualidade, condição do que apresenta essa ruptura e mistura de tais elementos”.

- Athaliba, por favor, quero mais informações sobre a Paraíso do Tuiuti.

- Marineth, a agremiação carnavalesca é originária do Morro do Tuiuti, no bairro imperial de São Cristóvão. Na juventude tive um amigo de lá, Apolinário, que marca minha trajetória cultural. Como marcou o saudoso e fraterno amigo jornalista Jorge Elias de Barros Sobrinho. A localidade sempre fomentou recreativismo. Em 1933 surgiu a Unidos do Tuiuti. Teve o Bloco dos Brotinhos e a escola Paraíso das Baianas. De tudo isso se criou a Paraíso do Tuiuti, em 1954.

- É verdade que a Estação Primeira de Mangueira é madrinha da escola, Athaliba?

- Sim, Marineth. O morro de uma é vizinho do morro da outra. As cores são azul-pavão e o amarelo-ouro. Chique, né? O símbolo é uma coroa, com lira na parte de cima, ladeada por ramos de louro desde a base. Em 1968, o enredo de Júlio Matos levou a escola para o Grupo 2. A carnavalesca Maria Augusta Rodrigues ajudou a impulsionar a escola. Também Paulo Barros teve passagem marcante na agremiação. De um dos rebaixamentos, retornou ao Grupo Especial homenageando Caetano Veloso. A Paraíso do Tuiuti, diversamente de algumas escolas, não tem contraventor do jogo-do-bicho como patrono. Lá impera a dedicação da comunidade, como marca registrada, desde sempre, em todas as formas de atividades culturais e sociais.

- Athaliba, que as peripécias do Mogangueiro da cara preta protejam a Paraíso do Tuiuti!

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

Comentários


  • 12-01-2023 16:44:52 AIRES JOSÉ PEREIRA

    Um excelente texto! Parabéns! Aires José Pereira é poeta e escritor com vários artigos e livros publicados. Abraços literários

  • 12-01-2023 09:47:05 Luiz Carlos Novaes de Araújo

    Grande . Jorge Elias, boa lembrança, fez muita diferença numa época que a imprensa se desenvolvia sanguinariamente, e não existia uma evolução, grande para publicação .

  • 09-01-2023 22:58:16 Julio Oliveira

    Camarada Lênin Novaes! Muito obrigado pelos ensinamentos sobre a história das escolas de samba do estado do Rio de Janeiro. Uma verdadeira aula através de mais uma crônica fantástica.