Coluna

IURD boicota D. Hélder Câmara

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Hélder, à direita,  com Miguel Arraes, ex-governador de Pernambuco. Ambos perseguidos pela ditadura civil-militar. Por sua luta, Hélder se tornou Patrono Brasileiro dos Direitos Humanos. (Divulgação) 

- Athaliba, é ridículo o boicote da cúpula da IURD - Igreja Universal do Reino de Deus - ao nome de uma das mais importantes avenidas da capital do Rio de Janeiro, Dom Hélder Câmara. O vexatório boicote, propagado por “bispos”, é visto na programação de TV na convocação dos evangélicos para orações na Catedral da IURD, localizada naquele logradouro. Ao abordar uma amiga evangélica sobre o boicote ao nome do arcebispo católico dado à avenida - ele é Patrono Brasileiro dos Direitos Humanos, pela Lei 13.581 de 26/12 de 2017 - ela ficou muda e cabisbaixa.

- Como e onde ocê fez a abordagem sobre o boicote à sua amiga, Marineth?

- Athaliba, ela estava no salão de beleza tingindo mechas do cabelo em degradê, em roxo, que é cor da saudade. É a nova tendência que vem seduzindo mulheres, por ser chamativa. Ocê entende? Aí a cabeleireira, também evangélica, a convidou para o culto religioso no domingo. E ela me estendeu o convite. Perguntei o horário e o local. Foi então que disse: “Será às 8 horas da manhã, lá na catedral, na antiga Avenida Suburbana”.

- Ocê tava no salão para fazer o quê, Marineth?

- Athaliba, a minha vontade era de te deixar curioso. A mercê da anedota de duas pessoas conversando quando alguém passa e pergunta: “Ocês estão falando de quê?” E ouve o seguinte: “Estamos sapecando curioso”. Mas, em respeito à amizade, revelo que fui depilar o buço.

- Marineth, vamos ao que interessa. Ocê explicou o que à amiga?

- Athaliba, disse-lhe que a IURD dava um tiro no próprio pé, ao boicotar o nome oficial da avenida, nas propagandas na TV. Que a atitude é até cômica. Afinal, a cúpula da igreja tem que escrever o nome Avenida Dom Hélder Câmara, obrigatoriamente, nas correspondências para postagem nos Correios. Assim, também, como toda a correspondência endereçada à igreja tem que ter o nome Avenida Dom Hélder Câmara. Acho que ela ficou muda por eu ter dito que só pessoas trouxas, palermas, não enxergam esse tipo de boicote diante dos olhos.

- As suas reações têm sido ácidas, Marineth. Ocê anda com os nervos da pá virada, heim!

- Athaliba, o ato é de prepotência. Constitui-se flagrante desrespeito à população carioca, principalmente, a moradores e comerciantes situados naquela avenida, com 11 km de extensão e que liga o bairro de Benfica ao de Cascadura. Cruza também o Jacarezinho, Manguinhos, Maria da Graça, Del Castilho, Cachambi, Engenho de Dentro, Pilares, Abolição, Piedade e Quintino Bocaiúva. Fez parte do Caminho Imperial. Teve outros nomes, até ser batizada, por decreto do então prefeito Luis Paulo Conde, como Avenida Dom Hélder Câmara.

- Marineth, sabia que na casa de nº 214, naquela avenida, em 15/8 de 1909, Euclides da Cunha, autor de Os sertões, foi morto a tiros por Dilermando de Assis, amante da mulher dele, Anna da Cunha? A avenida se chamava Estrada Real de Santa Cruz, à época da Tragédia da Piedade, como ficou conhecido o crime. Em 4/6 de 1916, Dilermando matou Euclides da Cunha Filho, que fora à caça dele com o propósito de vingar a morte do pai.

- Athaliba, e ocê sabia que a Avenida Dom Hélder Câmara dá acesso principal às Favelas do Jacarezinho e de Maguinhos, uma de frente à outra, em margens opostas? Junto delas tem a Cidade da Polícia, inaugurada em 29/9 de 2013, Dia do Policial Civil. Custou R$ 170 milhões. No Jacarezinho, em 6/5 de 2021, ocorreu a ação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, com 28 mortos a tiros. Dez dos 13 inquéritos instaurados foram arquivados por “falta de provas”.

- Marineth, as duas favelas retratam o alto nível de pobreza em que vive larga parcela da população. Isso prova a incompetência política que nos últimos quatro anos levaram à prisão e afastou seis ex-governadores do Rio de Janeiro, acusados de crimes de corrupção.

- Athaliba, além do boicote da IURD, a Avenida Dom Hélder Câmara ilustra o descaso total do prefeito Eduardo Paes, “filhote factoide” do ex-prefeito César Maia, às vias públicas da cidade. O asfaltamento é precário e os buracos dificultam o fluxo de veículos, principalmente, o tráfego de diversas linhas de ônibus. A iluminação hipotética facilita a ação de criminosos e, quando chove, é inundada com várias “bacias d’água” ao longo de sua extensão. Um colossal absurdo!

- Marineth, que moradores dos bairros interligados pelo logradouro impetrem Ação Popular na Justiça contra o boicote da IURD. Trata-se de desserviço e violenta ofensa aos cariocas.

- Athaliba, que impetrem logo a ação. O arcebispo D. Hélder Câmara nasceu 7/2 de 1909, em Fortaleza, no Ceará, e faleceu aos 90 anos, 27/8 de 1999, em Recife, Pernambuco.

Lenin Novaes

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Crônicas do Athaliba

LENIN NOVAES jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som - MIS

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