Coluna

A HORA BOA E A HORA TRISTE

Foto: Yaniv Knobel on Unsplash

Reza a lenda que os poetas vivem em um mundo à parte, que estão dentro do seu imaginário e de um mundo todo próprio, e ali, no silêncio, fazem a sua arte. Que os poetas não veem a vida como nós vemos, que eles enxergam coisas onde não há, que fazem de cada objeto uma imagem além do aquilo que ela pode dar.

Que os poetas são arlequins que saltam fantasiados, a caráter, uma janela para um jardim de poesia e arte, na busca do arco-íris que ilumina, lá de longe, no lugar escondido da imaginação o lugar onde estão.

Que algumas vezes são tristes ou se fazem de tristes. Mas, não são. Eles apenas se recolhem, e observam no vai e vem das ruas, nos passos despreocupados das pessoas, suas atitudes, tudo aquilo que elas fazem e não veem, para elas coisas à toa, para eles a matéria prima, diamante em suas mãos, rima rica se espalhando no papel em branco, espaço reservado para os versos que aperfeiçoa.

Muitos os ignoram, se dizem avessos à poesia, como coisa melosa, sem sentido, mas, com certeza, as primeiras palavras de amor, as primeiras palavras doces da conquista, não foram tiradas de dentro de si, foram tiradas de algum poeta que foi lido, que não se sabe o nome, de quem não se lembra mais, e que, porém, deixou gravado lá dentro de nós as diversas formas de se apaixonar.

Quando está imerso em suas horas tristes, estas são, de verdade, as horas boas para quem vê o poeta de maneira diferente. É um mundo com uma linguagem ausente para a vida comum. O poeta não se envolve na taciturnidade que o outro o enxerga. O poeta se recolhe, sem modéstia, como se estivesse com a moléstia de rimar mundo com mundo, seu taciturno com o mundo sombrio noturno, onde somente ele enxerga a luz.

Seu lampião é o destino de transformar pedra em vidro, transparente, traduzível, mesmo no verso mais estranho ele pode dizer o tamanho do mundo que vê diante de si.

Ele pode ter suas horas tristes, mas não chora, e por elas ele não se desespera, somente quando acha a palavra, o verso, a imagem que chega e de repente sua memória abençoa, e desfiando os versos em cadeia, ele vive a sua hora boa.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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