Coluna

NÃO SEI QUE SEI

Crédito:  Siora Photography / Unsplash

Em uma frase, dizer que eu sei que não sei faz todo o sentido. Afinal, uma das grandes virtudes humanas é assumir o que não se sabe, revelando uma humildade diante do desconhecido, e, ao mesmo tempo, não se sentir diminuído diante do outro que demonstra conhecer determinado assunto, com propriedade, e a postura do não sabedor é procurar esse conhecimento, e passar ao estágio do sei.

Muitas vezes, o sabedor, aquele que tem a propriedade de conhecer o assunto, também é suspeito. Afinal, se nos deparamos com um assunto desconhecido, a pergunta daquele que procura o saber é: que fonte é essa?

A fonte do saber do não sei está no desconhecer, porque se procuramos a fonte para suprir nossa sede, a água deverá ser, presumivelmente, cristalina, caso contrário aquele que procura o conhecimento estará pescando em águas turvas.

Os saberes vêm de muitas formas. Dentre elas, através da arrogância, do dedo em riste, na imposição, ou vem através da força dos argumentos, espalhados sobre a mesa, pinçados na medida da necessidade do sedento.

Aquele que chega, sabendo do seu desconhecimento, se aproxima de um modo curioso, como um buscador das verdades. Se aproxima com cautela, porque a contaminação do não sei, como saída fácil, é como uma coceira que vai chegando e aquela vontade de continuar patinando e se esfregando nas inverdades é tentadora. Nisso se envolve a vaidade, a mãe de todos os pecados.

Mas, existe o não sei que sei, que é, por si só, a confusão do conhecimento. Ele é a vergonha que não quer ser assumida: não saber. As fontes são aquelas tiradas do não sei onde, amparadas pelo não se sabe por quê e o não importa o que está escrito, importa o que eu acho, basicamente, ouve vozes na sua cabeça. E, diante do desconhecimento do outro, o pretenso conhecedor assume a vaidade do pretenso saber e entabula teorias absurdas, pretensos personagens arbitrários entram na pantomina e se tornam um tal amigo que trabalha em um tal lugar, ou o famoso primo de alguém que jaz no mais profundo lugar desconhecido.

No mundo altamente competitivo de hoje, demonstrar o desconhecimento é, antes de tudo, um ato de coragem. Não maior, no entanto, do que a coragem que têm alguns de demonstrar uma sabedoria que se ampara no total vazio. Dizer o sei é muito mais fácil do que o não sei, é muito mais gratificante, embora amparado no nada. O personagem se arrisca a passar vergonha, que é maior ainda quando vem acompanhada pelo desprezo, pela indiferença, e cai no ridículo, e se torna o personagem da piada na próxima roda de conversa.

Não sei que sei ou sei que não sei é a encruzilhada que define o ser humano. Buscar o conhecimento é trabalhoso, peça rara, e dominar todo o conhecimento é impossível.

A sofisticação do não sei é tão grande, que o suposto conhecedor é capaz de elaborar números e estatísticas mágicas tiradas de um fundo falso do caráter. Quando pego na mentira, o não sei rotula o outro, aquele que o desconcerta, de alguma coisa extremamente ofensiva qualquer. É como utilizar livros como arma de ataque físico, e não abri-los e dissipar, de vez, o não sei aquilo que eu gostaria tanto de saber.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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