Coluna

A PERDA DO TEMPO

Muitos se queixarão da perda do tempo, durante esta pandemia. Aprendemos a contar o tempo como algo numérico, uma relação entre a vida que segue e o tic tac do relógio, sempre, inexoravelmente, seguindo adiante. O tempo, assim, passa a ser contado como uma contabilização que sempre encerra o dia, a semana, o mês e o ano. Findamos cada um deles, realizamos nossas perdas e danos e seguimos em frente.

Mas o tempo não perdemos, ele se perde diante de algumas situações em que nos colocamos. A perda do tempo não é um prejuízo dele, mas nosso. O tempo não se perde. O tempo é uma planilha em branco a ser preenchida por nós. Perdemos vida, diante do tempo, quando esperamos por alguma coisa acontecer que a mude, nos dê um novo rumo. Não temos que apostar corrida contra o tempo, ele é incansável.

O tic tac do relógio nos mostra que, a cada minuto que não fazemos algo em nosso proveito, a contabilização é a perda. O tempo não permite as lamentações. O tempo não admite que fiquemos na beira da estrada vendo-o passar. E ele passa como o vento invisível, e devemos aprender a navegar com ele, a voar com ele.

Foto: Ben White / Unsplash

Para alguns, sair para as ruas, desafiando o inimigo invisível é lutar contra a perda do tempo. Mas o tempo tem alguma coisa de estranha e misteriosa dentro dele. Há tempo para tudo, para plantar e para colher, para viver em paz e para lutar. O tempo admite todas essas coisas. A escolha, no entanto, é nossa.

Podemos escolher em se perder no tempo ou ganhar no tempo. Os ganhos são possíveis, assim como as perdas. Não há tempo perdido, há tempo mal gasto. Podemos deixar a janela, se lamentando da vida que passa lá fora, ou investir no tempo que temos. Tempo é oportunidade que não se perdeu. Os ganhos no tempo estão nas oportunidades que aparecem. Mesmo em uma fila, um livro pode ser o ganho do nosso tempo. A espera por uma entrevista que pode ser mal sucedida pode ser um ganho de experiência, quando conversamos com as pessoas em volta e entendemos onde elas erram ou acertam. Tempo é experiência trocada.

Logo, nós não perdemos tempo, nós perdemos o tempo, perdemos a oportunidade de aproveitar o tempo que temos para aprender mais, se informar mais.

Alguns perdem o tempo quando se entregam a disseminar mentiras via web, e não para ganhar as possibilidades de um mundo melhor, mais humano e amigável. Não podemos perder o tempo, porque ele não é uma mercadoria que podemos comprar ou vender. O tempo é democrático. É igual para todo mundo. E podemos fazer dele o que quisermos. Muitos se perdem no tempo fazendo coisas inúteis, inclusive roubando o tempo de outros. Precisamos deixar de se perder no tempo para outros, procurar deixar de causar perdas e danos com o nosso tempo. Alguns ou quase todos vendem o seu tempo em troca de valores. Mas para aqueles que veem o tempo como possibilidades, podem vender o seu tempo, mas adquirir experiência suficiente para não precisar vendê-lo no futuro.

Nilson Lattari

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Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

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