Brasil

 Preservação e mudança cultural : o aprendizado da pandemia

Dizem as estatísticas e fatos que é no Brasil que o covid-19 mata mais. Por que será.

Não precisa pensar muito para responder. A regra um do covid é distância social, mas a principal característica da cultura brasileira é a proximidade social para
obter vantagem sem dar nada em troca: o jeitinho brasileiro.

Obviamente quando há uma relação entre duas pessoas onde ambas não querem evoluir, nem espiritualmente, nem intelectualmente, o resultado é desconfiança, traição e morte.

O vírus corona não tem poder para matar ninguém por si só, ele só acaba de matar. As pessoas já carregam a fraqueza dentro de si visto terem crenças, valores e suposições que são justamente as que levam aos piores resultados em crises, guerras, desastres naturais e pandemias.

A cultura da distração, de aproveitar a vida o máximo possível sem pensar no outro, da paixão em vez do amor, da calma em vez da paciência, da felicidade em vez da alegria, dos dados e informações em vez do conhecimento e inteligência, são o resultado de uma cultura baseada no coração, na emoção, no momento.

Não há interesse em entender, em buscar o porque das coisas, de se preparar para vida, afinal de coisas há abundância de recursos naturais, bom clima, não há terremotos e guerras, e guerras. Há sim muitos bares, restaurantes e motéis, frutos dessa cultura de distração.

Há também muitas igrejas evangélicas e pastores engravatados milionários que fazem o mesmo que o governo: se aproveitam da ignorância do povo que ama esta ignorância.

A suposição de dominação, o valor da vantagem temporária e a crença de que a distração é melhor que a evolução obviamente tem origem histórica: o Brasil foi o último país do ocidente a abolir a escravatura, em 1888, e é conhecido internacionalmente como um predador de destruição do meio-ambiente.

Segundo Luiz Marquez, no artigo  " Brazil: the legacy of slavery and environmental suicide", cuja tradução é " Brazil: o legado de escravatura e suicidio ambiental", essas duas características são premissas para a existência do Brasil, no passado e presente. Durante 350 anos, mais de 5 milhões de escravos chegaram ao Brasil.

Segundo Marquez a escravatura permeia a sociedade brasileira, afeta suas formas de imaginação, religiosidade, sexualidade, mentalidade coletiva, o modus operandi da
vida das famílias e muito mais. E destaca " a figura do escravo foi tão necessária para o não escravo que se tornou um fato 'natural' para eles, uma característica dada
e uma abordagem de vida não consciente e automática.

A escravatura é uma característica tão dada desta sociedade que passa tão despercebida como a harmonia das esferas, o qual Pitágoras dizia que não podiamos ouvir porque precede nosso nascimento.

O legado da escravatura é aparentemente esquecido pela mentalidade brasileira contemporânea somente através do seu oposto - democracia racial-, a crença proposta pelo sociologo Gilberto Freire em 1933 de que o Brasil não sofre de preconceito ou discriminação racial e se esta crença foi espalhada tão bem é porque as pessoas realmente acreditam nisso.

O resultado de falsas crenças é que o Brasil não criou uma sociedade civil completa, aponta Luiz Marques: o abismo que separa o estrato social impede o desenvolvimento de um senso de responsabilidade individual ou sentimento de pertencimento a comunidade, o que leva ao individualismo extremo. Os descendentes dos escravos continuam a servir os herdeiros de não escravos e não reclamam pelo que é deles por direito, aponta Marquez.

A desigualdade social que surge da escravatura estava em declínio, pelo menos em relação a distribuição de renda. Mas isso não ocorre com o segundo problema histórico brasileiro: a ocupação devastadora e predatória da terra. Isso retoma as Ideais do Iluminismo de harmonia entre cultura e natureza e o entendimento do porque tanto desmatamento na Amazônia.

Os seus únicos defensores são as comunidades amazónicas nativas e pequenos grupos de académicos e ambientalistas, nenhum dos quais tem peso suficiente em termos do equilíbrio de forças no Brasil e internacionalmente.

Historicamente, o Brasil tem tendido a mudar somente "de fora para dentro". A escravatura não foi abolida até muito tarde, e apenas sob forte pressão dos interesses internacionais.

Este enorme país, tão inerte e arcaico por vocação, só se afastará da beira do suicídio ambiental se for forçado a fazê-lo por pressão internacional. Se tal pressão será exercida, na opinião de Luiz Marquez.

No dia do Indio, parece justo refletir se os indios são tao diferentes dos civis e militares brasileiros, que só falam o português e carregam há anos, de geração em geração, essa crença de que a distração é melhor que a evolução.

Segundo dados do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem no Brasil 896,9 mil indígenas distribuídos em 305 etnias diferentes, que falam 274 idiomas. Em relação ao idioma, existem dois grandes troncos linguísticos: o Tupi (predominantemente amazônico) e o Macro-Jê (não amazônico). Troncos linguísticos são conjuntos de famílias de idiomas que têm a mesma origem.

Ai já vai a primeira lição para os civis e militares brasileiros: aprender o espanhol para não ficar ilhado no continente que só eles falam o português.

Com relação ao ensino e aprendizagem de outras habilidades, numa cartilha da Comissão Pró-Índio dedicada ao ensino de história, educadores indígenas do Acre escreveram assim: "Quando morre um velho sabido é como se fosse queimada uma grande biblioteca da história do nosso povo."

A alimentação dos povos indígenas provém basicamente destas atividades: pesca, caça, coleta e agricultura. Aí vem outro aprendizado para os civis e militares: a diversificação da economia e as cooperativas agrícolas.

É de conhecimento notório que carro-chefe da economia brasileira é o agronegócio, mas este perdeu  força com a diminuição dos preço internacional das commodities agrícolas.

Infelizmente os civis e militares apostam todas as fichas numa só língua e numa só economia, e fazem de forma individual e com objetivo de tirar o máximo de vantagem com o mínimo de esforço, o que leva ao colapso da cultura quando das adversidades.

Os índios vivem e trabalham no regime da economia da comunhão, uma sociedade baseada em comunidade, em apoio, em troca de conhecimentos e experiências, em confiança, em liderança.

Aí a oportunidade de refletir o que podemos aprender com os índios no seu dia.

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