PEC da Blindagem pode reforçar impunidade e abrir brechas para corrupção, alertam especialistas
Organizações de combate à corrupção apontam que proposta favorece autoproteção no Congresso e enfraquece investigações sobre emendas parlamentares

Brasília - A chamada PEC da Blindagem, que exige autorização do Congresso para que deputados e senadores sejam processados criminalmente, tem gerado forte reação entre especialistas e entidades que atuam no controle da corrupção. O ponto central das críticas é a relação direta entre a proposta e os casos de desvio de recursos das emendas parlamentares, que já somam dezenas de investigações em andamento.
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que reúne diversas organizações da sociedade civil, classificou a PEC como um retrocesso que “fortalece a impunidade e fragiliza a transparência, sobretudo ao admitir o voto secreto em decisões que tratam da responsabilização de parlamentares”.
Emendas bilionárias sob suspeita
O diretor do MCCE, Luciano Santos, destacou que o volume bilionário destinado às emendas — cerca de R$ 50 bilhões em 2025, valor semelhante ao previsto para 2026 — tornou-se um terreno fértil para irregularidades.
“Temos clareza de que se está buscando exatamente uma blindagem por conta dessas investigações sobre as emendas. Não faz o menor sentido blindar políticos quando já existem diversas apurações em curso”, afirmou.
Segundo ele, o controle ainda é insuficiente: “É de fora que está vindo o controle. É o Supremo quem tem exigido práticas para evitar desvios. Não dá para entregar ao Congresso a decisão de autorizar investigações. A história mostra que isso não funciona”.
Histórico de proteção
Organizações lembram que a exigência de aval do Parlamento para abrir processos contra deputados e senadores já existiu entre 1998 e 2001. Nesse período, o Congresso barrou 253 pedidos de investigação, autorizando apenas um.
A Transparência Internacional alertou que o cenário atual tende a se repetir. “Deputados e senadores se mostram avessos a medidas de transparência e mais preocupados em evitar responsabilizações do que em interromper os desvios”, afirmou a entidade.
O Instituto Não Aceito Corrupção foi ainda mais duro: “O que se propõe é a criação de uma verdadeira casta de intocáveis, afrontando o princípio da isonomia constitucional”.
Operações recentes
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino determinou, em agosto, a investigação de 964 emendas individuais, conhecidas como “emendas Pix”, que somam R$ 694 milhões. Em dezembro de 2024, Dino já havia suspendido o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas por suspeita de irregularidades.
Nesta semana, o ministro suspendeu novos repasses a nove municípios, após auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontar falhas em nove de dez cidades fiscalizadas.
Defesa do Parlamento
Parlamentares da base opositora defendem a PEC sob o argumento de proteger a independência do Legislativo diante do Judiciário.
O relator do texto na Câmara, deputado Claudio Cajado (PP-BA), afirma que a proposta “não é licença para abusos, mas um escudo protetivo da soberania do voto e do respeito à Câmara e ao Senado”.
Já o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) argumentou em plenário: “Quem cometer crime vai pagar, uai. É simples assim, a gente vota e a gente mostra que essa Casa é contra criminoso”.
Para críticos, no entanto, o corporativismo entre parlamentares torna a autoproteção inevitável. “É absolutamente impossível acreditar que o Congresso vá autorizar investigações de forma isenta”, rebateu Luciano Santos, do MCCE.
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