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NATIONAL KID

Rio de Janeiro - Sou velhão. Sou do tempo da TV preto e branco.

A TV em cores só surgiu no Brasil no dia 31 de março de 1972. A data foi escolhida estrategicamente pelo governo militar para atrelar essa novidade aos festejos do oitavo ano do golpe.

Nesta época, meu seriado favorito era o National Kid. Lembra, leitor?

O seriado foi produzido no Japão, em 1960, pelos estúdios da Toei e estreou no Brasil em 1964, na Record de São Paulo, e no Rio em 1965, pela TV Rio (A série também foi exibida pelas TV´s Rio, Globo, Tupi e Record). Os criadores da série nunca esconderam que o National Kid era uma cópia tosca e descarada do Super-Homem, cuja série fazia muito sucesso no mundo todo.

Sucesso no Brasil, o National Kid, diferente do Super-Homem, não fez sucesso em nenhum outro lugar do mundo. Nem no Japão onde foi criado.

Reprodução - 

O herói foi criado pelo desenhista de quadrinhos Daiji Kazumine - e, como a personagem Mafalda, do argentino Quino, foi criado para vender eletrodomésticos. O National Kid era, na verdade, garoto propaganda dos produtos National ( hoje Panasonic), a patrocinadora do programa. Um merchandising dos mais escancarados que a TV já viu.

A produção, barata e mal-acabada exibia efeitos especiais rudimentares. Alguns ‘efeitos’ pareciam ‘defeitos especiais’. Filmado em preto e branco para baratear os custos, cenas de um episódio eram aproveitadas em outros. Por isso os disco voadores dos subterrâneos eram iguaizinhos aos dos incas e as fantasias e os submarinos

eram risíveis. Numa cena em que um automóvel voa, vê-se nitidamente ser um carrinho de brinquedo em uma maquete.

No elenco, havia atores profissionais misturados com amadores. O próprio protagonista, National Kid e sua identidade secreta Professor Massao, era Ichiro Kojima, um funcionário dos Correios do Japão.

A garotada que aparecia na série, os órfãos criados pelo prof. Massao e sua assistente Tyako, foram recrutados em colégios.

Aliás, tem uma outra curiosidade hilária: o professor Massao originalmente não tem esse nome. Na história original ele se chama “professor Riusako”, mas na dublagem brasileira resolveram trocar para evitar trocadilhos de duplo sentido com “riu” e “saco”.

Outra curiosidade: os “incas venusianos” só se tornaram “venusianos” no Brasil. Originalmente, são só “incas”, mas os responsáveis pela dublagem acharam melhor dar um planeta para aqueles caras estranhos, vestidos de morcego com um Z no peito. Os tais esquisitões adoravam o deus Awika (se pronuncia “Auíca”) e eram governados pela princesa Aura.

Governados por Nelkon, o satã do Reino Abissal, os habitantes das profundezas andavam a bordo do submarino-monstro Guilton. Quando este balançava as barbatanas, provocava um maremoto, daí a famosa frase: "Celacanto Provoca Maremoto". A frase era a senha dos seres abissais na luta contra os seres da superfície e contra o National Kid.

No Brasil, nos anos sessenta, vivíamos em plena Ditadura Militar. Lá fora, a guerra fria dominava as relações EUA-URSS, e a cada dia andávamos no fio da navalha, prontos para uma guerra atômica.

No início da década de 70, a frase “Celacanto Provoca Maremoto” começou a aparecer misteriosamente em vários muros e tapumes da cidade do Rio de Janeiro.

A frase, a princípio sem nenhum sentido, começou a se espalhar rapidamente pelas ruas da cidade e sobre ela surgiram várias “teorias”, na época: eram desde mensagem cifrada de bandidos até uma forma de atacar o governo da Ditadura Militar.

Mais tarde, descobriu-se que o autor da pichação era o professor e jornalista carioca Carlos Alberto Teixeira. A brincadeira surgiu no quadro da sala de aula e daí foi para os muros e tapumes de obras.

Nagayoshi Akasaka, criador, roteirista e diretor da série, ficou surpreso quando, muitos anos depois do fim da série, um jornalista brasileiro lhe falou do absoluto sucesso do herói para toda uma geração no Brasil.

Para tristeza dos fãs do National Kid, no incêndio que praticamente destruiu a TV Record, no início dos anos 70, os rolos contendo toda a série viraram cinzas.

Ediel Ribeiro (RJ)

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Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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