Coluna

O SEBO E O AUTÓGRAFO

Numa rua tranquila, com nome de um povo indígena, no sofisticado bairro de Moema, em São Paulo, eu e a Sheila achamos um sebo das antigas.

O “Casa Puebla”.

O dono, José Puebla, um senhor simpático, barbudo - a cara do cartunista Ferreth - é desses livreiros que conhece o ofício. Sabe onde está cada livro no meio daquela aparente bagunça. Conhece os autores e, pasmem, as histórias.

Não vou dar o endereço para não perder o charme e a tranquilidade do local. 

Quem entra na loja pode até pensar que o tempo parou. A fachada é antiga, os livros são antigos e o dono, como os antigos, sempre para pra jogar conversa fora.

Escondido entre gibis, revistas e livros raros, encontrei uma preciosidade: um livro de cartuns autografado pelo Laerte, Angeli e o Glauco.

Fiquei pensando: quem joga fora uma preciosidade dessas? Quem vende, doa ou se desfaz de um livro autografado? Tenho vários livros autografados, de autores famosos (como o poeta Carlos Drummond de Andrade) a autores iniciantes. Nunca me desfiz de nenhum deles. 

O autógrafo, às vezes, é mais importante que a obra. Por exemplo, lembro dos autógrafos dos “Los Três Amigos”, no livro do sebo, mas não lembro do título do livro.

O autógrafo não é só uma assinatura numa folha de papel. Nem uma relação de segundos entre o autor e o leitor, separados por uma mesa e certa dose de indiferença.

O autógrafo transforma o momento em algo único, particular. Confere ao leitor - uma figura impessoal - uma dose de cumplicidade e intimidade com o autor e agrega valor à obra. 

Tão marcante quanto o autógrafo que você ganha é aquele que você, por algum motivo, deixa escapar.

Por pouco, não consegui um autógrafo da Leila Diniz.

Eu era fã da Leila Diniz, desde que vi “Mineirinho Vivo ou Morto”, um filme de 1967, escrito e dirigido pelo Aurélio Teixeira e Braz Chediak. Ela fazia Maria das Graças, a namorada do bandido “Mineirinho”, interpretado por Jece Valadão.

Leila já havia me impressionado com a famosa entrevista  cheia de  palavrões - substituídos, no jornal, pelos asteriscos - para o  semanário “O Pasquim”, em 1969.

Leila Diniz era considerada uma mulher a frente do seu tempo, ousada e desbocada e que detestava convenções.

Foi invejada e criticada pela sociedade conservadora e pelas feministas da década de 60. 

O Pasquim
REPRODUÇÃO

A atriz quebrou tabus de uma época em que a repressão dominava o país. Escandalizou o Brasil ao exibir a sua gravidez de biquini na praia e chocou o país inteiro com a frase: “Transo de manhã, de tarde e de noite”.

Era uma mulher que gostava de sexo, mas não era uma mulher fácil. Um exemplo é a história do general que a assediava, contada pelo escritor e jornalista Ruy Castro. Apesar da insistência, Leila não cedeu as cantadas do general. Decepcionado, ele reagiu: “Mas você dá pra todo mundo!”. E ela: “Eu dou pra todo mundo. Mas só pra quem eu quero”. 

Um dia, eu estava num bar, próximo ao Copacabana Palace, um pé sujo onde, dizem, Janis Joplin - que preferia os destilados à cerveja - ia com os amigos beber Licor de Cacau, Creme de Ovos e Quinado Dubar; quando um sujeito me ofereceu um exemplar do "O Pasquim", de 1969, com a famosa entrevista, autografada pela atriz.

O autógrafo parecia original, mas a grana que ele pedia era muito alta. Não paguei.

Ela havia morrido num acidente aéreo, alguns anos atrás, no dia 14 de junho de 1972, aos 27 anos, no auge da fama.

Ainda hoje lamento não ter pago pelo  autógrafo, naquela tarde, em Copacabana.

Ediel Ribeiro (RJ)

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Coluna do Ediel

Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

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