Coluna

Cobrança de despesas de administração de não associados em bolsões residenciais e \\\"loteamentos fechados\\\"

O Brasil observa um aumento substancial na quantidade de “loteamentos fechados” espalhados por seu território. Normalmente, esses loteamentos decorrem de bolsões residenciais, instituídos pelo Poder Público municipal, em decretos muitas vezes irregulares. Falhas perpetradas pela Administração Pública na prestação de serviços essenciais como limpeza, esgoto, iluminação e segurança pública, bem como a manutenção de áreas de lazer e áreas verdes, fazem com que o cidadão busque outros meios para suprir algumas dessas necessidades, recorrendo à constituição de associações civis sem fins lucrativos, manifestas ora para administrar bolsões residenciais, ora para administrar loteamentos fechados.

Esses bolsões e loteamentos, administrados por essas associações, que para os fins dessa explicação chamaremos exclusivamente de “associações de moradores”, não são, em verdade, condomínios, na acepção do termo, embora, muitas vezes, sejam assim chamados pela população. Os bolsões são formados pelo fechamento de certas áreas cujos logradouros, públicos ou não, interligam-se entre si, possuindo acesso único, criando um microambiente facilmente administrado pelas associações de moradores locais.

Tanto no bolsão residencial, como no loteamento fechado, as despesas da administração do bem comum são rateadas entre os beneficiários dos serviços efetivamente prestados pela associação de moradores.

O problema que surge com o rateio será definir o valor exato da contribuição que cada morador deva participar para que as despesas da administração sejam igualmente suportadas pelos beneficiários.

Para os moradores participantes da associação não restam dúvidas: devem contribuir com o valor estabelecido em assembléia, já que se submeteram, tácita ou formalmente, à associação, e assim, por conseqüência, às regras estabelecidas nos Estatutos Sociais bem como às decisões assembleares. Essa nada mais é que a conseqüência lógica da decisão de se associarem a uma associação de moradores.

Porém, como proceder com relação àqueles moradores que não se associaram?

A Constituição Federal de 1988 garante ao cidadão o direito de livre associação, o que não só quer dizer liberdade de associar-se, mas também – obviamente – quer dizer direito de desassociar-se.

Não há maneira de obrigar um morador e/ou um proprietário a participar de uma associação de moradores, não havendo, então, meio hábil para vinculá-lo ao que for decidido em assembléia. Se assim não fosse, faríamos da Carta Magna, lei morta.

Com relação ao não associado, não podemos, simplesmente, aplicar as decisões assembleares, pois essas somente vinculam os associados.

Parece óbvio, mas nem sempre isso acontece. Freqüentemente vemos associações de moradores tentarem cobrar de não associados valores decididos única e exclusivamente em assembléia. Essa cobrança é tão absurda quanto pretender que um time de futebol cobre dos torcedores do time adversário uma mensalidade para que estes assistam seus jogos contra o time adversário. Ridículo, mas com associações de moradores isso acontece freqüentemente.

Vemos todo o tipo de absurdos no tocante à cobrança dos não associados.

Entre esses absurdos é comum a prática de classificação de contribuintes não associados como se associados fossem. Como exemplo, podemos destacar as cobranças de não associados que variam em função da natureza da utilização do lote e do imóvel (e.g. moradores cobrados de uma forma, terrenistas de outra). Temos, também, a cobrança que varia em função do número de lotes (e.g. proprietários de um imóvel numa categoria, de dois a três em outra, de três a cinco em outra, e assim por diante). Enfim, em todos os casos, há uma classificação criada em assembléia e, portanto, ineficaz para não associados.

A definição do parâmetro de contribuição para não associados não pode, de forma alguma, ser algo decidido em assembléia.

O problema, então, se resolve se analisarmos o Artigo 1.336 do Código Civil, que deve ser aplicado por analogia: o contribuinte não associado arcará com as despesas ordinárias, na proporção exata de sua fração ideal em ralação ao todo, quer de bolsão residencial, quer de “loteamento fechado”.

O artigo trata originalmente do condomínio edilício e agora, também, do condomínio horizontal, e excepciona, como parâmetro de cobrança, o que seria disposto em convenção.

Obviamente essa exceção não se aplica à analogia, já que quando tratamos de associações de moradores, o equivalente à convenção é a decisão assemblear, tirada de acordo com o estatuto social.

Assim resta-nos, forçosamente, o critério da fração ideal.

Nas palavras de Ricardo Fiuza “o critério da fração ideal na fixação dos valores de contribuição condominial é o único que atende à idéia de justiça, impedindo hipóteses de enriquecimento ilícito ou lesão enorme por parte de eventuais maiorias atuantes na elaboração das convenções”, “mutatis mutandi”, eventuais maiorias atuantes em associações de moradores, quer através de estipulação de regras nos estatutos, quer através de decisões assembleares.

Sobra, portanto, como mais justo parâmetro de contribuição, o critério da fração ideal, que servirá para estabelecer a proporção de rateio das despesas ordinárias da administração. Cumpre ressaltar que essas despesas rateáveis devem, efetivamente, ser ordinárias e beneficiar o morador não associado - pois não se admite que o morador não associado arque com despesa de serviço que em nada lhe beneficie, ou que não o tenha solicitado.

Dr. Daniel Mendes Ortolani é advogado atuante nos ramos do Direito Civil, Empresarial e Tributário, autor de diversos artigos, e formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.

E-mail: daniel@ortolani.com.br.

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