Coluna

FLOREAL, O NOSSO BASQUIAT

Rio de Janeiro - O pintor neo-expressionista norte-americano Jean-Michel Basquiat costumava dizer: “Quero que meu desenho pareça ter sido feito por uma criança”.

O desenho do Floreal parece. E muito. O desenho do cartunista é o mais próximo de um desenho infantil que conheço. Mais tosco que os traços do Jaguar e do Millôr. Por isto, incrível - como o dos mestres do Pasquim.

Floreal não ganhou popularidade como grafiteiro, como Basquiat - até arriscou um grafite (muito bonito, por sinal) em um skate -, o reconhecimento, no entanto, veio como cartunista.

O trabalho de Floreal teve influência primária em cartunistas como Carl Barks, dos ‘Estúdios Disney’; George Herriman, autor dos quadrinhos ‘Krazy Kat’; Orlando Pizzi, criador dos meninos arteiros ‘Duduca e Jambolão’ e Maurício de Sousa, o pai da ‘Turma Mônica’.

Floreal gostava de ler tudo que era quadrinhos, principalmente, ‘Fix e Fox’, uma revista semanal alemã de histórias em quadrinhos criada por Rolf Kauka , que foi publicada ininterruptamente de 1953 a 1994. Aos 16 anos, leu pela primeira vez uma HQ do Crumb, que saiu no número 5 da revista “O Bicho”. Lia os quadrinhos da Edrel, os gibis de terror com desenhos do Shimamoto, Colin, Nico Rosso… Lia tudo.

“Em 1975, na 7a série, foi a primeira vez que li os cartunistas brasileiros Fortuna, Laerte, Redi, Luiz Gê, Nani, Adail, Guidacci, Luscar, Seth, Mariza e outros” - disse.

Divulgação - 

Mas o que realmente influenciou o menino que adorava desenhar foram os bonecos animados do Borjalo, no noticiário da TV. “Detestava os noticiários, mas assistia só para ver os desenhos do Borjalo”, disse.

Floreal da Silva Andrade, ou, simplesmente, Floreal, nasceu em Suzano, município da Zona Leste da Região Metropolitana de São Paulo, no dia 28 de fevereiro de 1959. Começou a carreira como chargista na ‘Folha de São Paulo’, após vencer um concurso promovido pelo jornal, para novos cartunistas, em 1989.

Um ano antes, com 17 anos, Floreal chegou a São Paulo e conheceu os quadrinhos underground. Trabalhou na fotomecânica de um jornal de anúncios. Fazia capas e ilustrava matérias. Em 1991, o Gualberto pediu uma HQ para o jornal “Sport Gang”, criado por ele e pelo Jal.

Hoje, recebi o gostoso “Subúrbio, a Quebrada em Quadrinhos” (Editora Noir - 150 páginas), a autobiografia em quadrinhos do artista, um dos principais quadrinistas do movimento comix underground brasileiro.

Subúrbio, “o livro”, surgiu de uma conversa entre Floreal e o cartunista Gualberto Costa, o Gual, na livraria HQMix. Gual teria sugerido: faça uma biografia em quadrinhos sobre sua vida no “Subúrbio”.

A obra conta histórias pessoais do autor, da infância até a idade adulta: os primeiros desenhos, seu primeiro livro publicado, cartunistas que o influenciaram e o encantador estrago que eles fizeram em seu imaginário.

Cartunista e desenhista de HQs desde os anos 1980, Floreal publicou suas primeiras charges na ‘Folha’, na página ‘Gol’, criada pelo Angeli, durante a Copa de 1982. Suas publicações mais recentes estão nos livros, "AQC 100 vezes", "Humor no Futebol" (de Jal e Gual) e "Piadas do Fim do Mundo". O cartunista colaborou também com as revistas ‘Animal’ e ‘Chiclete com Banana’; ilustrou livros de literatura, didáticos e paradidáticos.

Entre 2007 a 2016, foi colaborador do jornal ‘Idéia Editorial’, da Press Editorial e do jornal ‘GrapHiq', do nicaraguense Mário Latino Munhoz, onde publicou a HQ ‘Subúrbio’.

Em 1987, publicou o gibi ‘Mofo’, pela Editora PRO-C, de Marcatti, em parceria com João Andrade. Teve seus quadrinhos publicados nas revistas ‘Café Espacial’, ‘Caderno de Música’, ‘Pequenas Impressões’, em 1969, todos pela PB Editorial dos cartunistas Paulo Batista e Marcatti.

Em 2018, Floreal ganhou o Prêmio Angelo Agostini na categoria "Mestre do Quadrinho Nacional", que homenageia artistas que tenham se dedicado aos quadrinhos há pelo menos 25 anos. O autor também foi premiado no ‘Salão de humor de Paraguaçu Paulista’, por duas vezes, e no concurso de charges da ‘Folha da Tarde’, em 1984.

Em 2019, Floreal criou o ‘Capitão Bosta’, sátira ao ex-presidente Jair Bolsonaro; o personagem é utilizado até hoje pelo autor, em charges políticas. No mesmo ano, o cartunista lançou o fanzine ‘Os Grandes Feitos do Capitão Bosta’, pela PB Editorial, que trouxe uma coletânea de todas as charges com o personagem.

Num papo que trocamos, por e-mail, o cartunista contou que em 1982 fez uma charge sobre o jogo Brasil X Argentina para a página ‘Gol’, editada pelo Angeli: “Fui na redação da ‘Folha de São Paulo’ e fiquei esperando o Angeli para ver se o desenho podia ser publicado, como ele não apareceu, deixei o desenho em cima da prancheta do cartunista. Segundo Gual, Angeli achou que o desenho do tal Floreal era uma brincadeira do Luiz Gê. Ainda assim, no dia seguinte, para minha surpresa, o desenho foi publicado.

Alguns dias depois, Jal e Gual fizeram uma exposição na Escola Rian sobre a Copa do Mundo e meu desenho foi escolhido para participar. No dia da abertura, fiquei sabendo que tinha ganho uma bola autografando pelo Sócrates e pelos cartunistas Angeli, Gual e Jal.

Em seguida, houve uma exposição no Rian, do cartunista Novaes. Quando perguntaram para ele se tinha gostado da exposição, ele disse: “Sim só não entendi o Floreal?"

Eles desmontaram a exposição anterior, mas esqueceram meu desenho na parede. E lá estava meu desenho no meio da exposição do Novaes”, disse.

O cartunista mora hoje em Suzano, onde continua produzindo conteúdo para o seu ‘Blog do Floreal’.
 

Ediel Ribeiro (RJ)

738 Posts

Coluna do Ediel

Ediel Ribeiro é carioca. Jornalista, cartunista e escritor. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) do romance "Sonhos são Azuis". É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG). Autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty" publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ) e Editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!". O autor mora atualmente no Rio de Janeiro, entre um bar e outro.

Comentários