- Marineth, oportuna é a ocasião, livre de oportunismo, nas comemorações dos 60 anos da TV Globo, para contar fatos vivenciados na Vênus Platinada, de 1980 a 1987. Sim, estive lá, na função de subchefe de reportagem, sendo que, antes, em outros cargos, no jornalismo. Um dos acontecimentos marcantes foi no decorrer da greve geral no país, em 1986. Eliakim Araújo, então apresentador de telejornal, pediu formação de piquete à entrada da TV pela Rua Lopes Quintas para justificar sua falta. Mas, no entanto, porém, furou a greve, com argumento inconsistente.
- Athaliba, qual foi o argumento inconsistente? Foi mesmo apelo incongruente?
- Marineth, a data de aniversário da TV Globo é 26 de abril. E de O Globo é 29 de julho. O jornal celebrará 100 anos, tendo lançado a 1ª edição em 1925. Por lá também estive, seguindo depois para a TV. Bem, sobre o Eliakim, o ajudei na regularização do registro profissional junto ao Ministério do Trabalho. Da mesma maneira também auxiliei o Heraldo Pereira e a Ilze Scamparini em obter o registro profissional de jornalista, ao chegarem à emissora. Naquela ocasião eu estava diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro - SJPMRJ.
- Conta de uma vez, Athaliba, qual foi o argumento que o Eliakim usou para furar a greve?
- Marineth, sem hesitar, ele disse o seguinte: “Vou trabalhar, pois estou defendendo o meu projeto de vida com a Leila Cordeiro”. Cobrei o acordo que ele tinha firmado com a comissão de greve no pedido de piquete na entrada da TV. Não adiantou. Foi em vão. Integrava a comissão de greve o ator Otávio Augusto, que era à época presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões - SATED. E o também ator Francisco Milani, militante do PCB - Partido Comunista Brasileiro -, pelo qual foi eleito vereador do Rio de Janeiro, em 1992; entre outros.
- Athaliba, como foi sua atuação de sindicalista, na emissora, como diretor do SJPMRJ?
- Marineth, final dos anos 1970, jornalistas se mobilizaram e resgataram o SJPMRJ, que tinha condução conservadora. Elegemos o Carlos Alberto Oliveira dos Santos, o Caó, à gestão de 1978 a 1981, reeleito para o triênio 1981 a 1984. Depois, duas chapas disputaram a eleição. Uma delas, encabeçada por Marcelo Beraba, que ficou afamada com o título Nem PT, nem PCB, num jornal de campanha. A outra chapa teve à frente José Carlos Monteiro. E houve debate entre eles na Câmara de Vereadores do Rio, com o plenário apinhado de coleguinhas. Marco histórico!
- Qual das chapas ocê fez parte, Athaliba?
- Marineth, integrei a chapa liderada por Monteiro, que foi vitoriosa. Fazia parte Raul Ryff (ele foi secretário de imprensa do presidente João Goulart) e João Saldanha (escritor e técnico da seleção de futebol do Brasil). Tinha também Jorge de Oliveira, o Arapiraca; Cícero Sandroni (foi presidente da ABI - Associação Brasileira de Imprensa); Luis Fernando Cardoso, David Chargel, Umberto Trigueiros Lima, Mônica Napolitani, entre outros. E, lá na TV, na chapa derrotada, tinha o saudoso amigo jornalista Marcos de Castro, detentor de dois Prêmios Esso de Jornalismo.
- Athaliba, por ocasião das manifestações populares em favor das eleições diretas no país, a emissora era repudiada com o slogan O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo.

- Marineth, a alta cúpula da emissora não sentia o feeling popular em relação à luta travada para aprovação da emenda que decidiria sobre as eleições diretas para presidente, após 20 anos de ditadura. A batalha era na Câmara dos Deputados, onde a emenda foi derrubada, no dia 25 de abril de 1984. Nas ruas, as equipes de reportagem eram hostilizadas, no dia-a-dia.
- Athaliba, situação bem diferenciada dos dias atuais, né? O nível de qualidade é baixo!
- Sim, Marineth! Com algumas medidas adotadas pela Editoria Rio, como Globo Cidade, com cobertura jornalística envolvendo a população, a situação foi mudando. Na época, na editoria tinha Cláudio Nogueira, Luiz Carlos Cabral, além de Antônio Henrique Lago, Ricardo Calil, Regina Célia, Eli Chagas, Sônia Pompeu, Ângela Lindenberg, Glória Maria, Ana Maria Rocha, Leilane Neubarth, André Luiz Azevedo, Renato Kloss, Sandra Passarinho, Paulo Alceu, Eli Moreira, Lena Frias; os repórteres-cinematográficos Maurício Oliveira, José Ferreira Bahiense, Ricardo Canário, Toninho Marins, Álvaro Santana, Daniel Andrade, Sérgio Gilz, Ricardo Straus, José Carlos Azevedo, Luiz Cláudio Azevedo, Paulo Pimentel e José Carlos Harduim, entre outros colegas.
- Athaliba, ocê recorda do acidente aéreo que matou 18 pessoas carbonizadas, sendo que 13 eram jornalistas?
- Claro, Marineth. Mas, antes, preciso contar que inclui a Glória Maria numa chapa que foi eleita para o Conselho Deliberativo da ABI. Ela me disse que não poderia participar de reuniões devido às viagens internacionais. Bem, o acidente ocorreu em 28/8/1986, com o avião que ia para a Bacia de Campos, onde haveria a cobertura jornalística da marca da Petrobras de produção de 500 mil barris de petróleo. A aeronave se chocou com o Morro São João, cerca de 6 km da Barra de São João, a cinco minutos de Macaé. Morreram o jornalista Luiz Eduardo Lobo, o Lobinho, e Levi Dias da Silva e Jorge Antônio Medeiros dos Santos, da TV Globo.
- Também jornalistas e técnicos de outras emissoras, né, Athaliba?
- Marineth, no avião tinha equipes da Manchete, TV Educativa e Bandeirante. Outro acidente, a seguir, com equipe da TV Globo, que fora fazer reportagem sobre o avião que caiu, causou a morte do repórter Samuel Wainer Filho, o Samuca (filho de Samuel Wainer, fundador do jornal Última Hora, e da jornalista Danuza Leão) e do repórter-cinematográfico Felipe Ruiz. O acidente com o carro da reportagem foi na antiga RJ-124, no trecho entre Araruama e Rio Bonito, que deu lugar à Via Lagos, mais de uma década depois, sendo a estrada privatizada.
- Algum outro acontecimento, significativo, que mereça ser descrevido, Athaliba?
- Marineth, um saque a supermercado entre Tomás Coelho e Cavalcanti, bairros na Zona Norte do Rio, na madrugada. Fui forçado a prestar depoimento à Polícia Federal, na Praça Mauá. A direção da emissora designou o advogado Alcione Barreto à minha defesa, no interrogatório ao delegado Maranhão. Alcione, que faleceu em 19/8/2013, advogou para as Organizações Globo por mais de 30 anos. Ele, apaixonado por samba, era baluarte da Estação Primeira de Mangueira e foi presidente da Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro.
- Athaliba, destrincha esse caso, sem rodeios. Pode falar dos pormenores?
- Marineth, é preciso informar, primeiro, que o Alcione Barreto era um causídico respeitado. Ele defendeu presos políticos e jornalistas durante a ditadura militar (1964-1985), originada pelo golpe civil-militar que derrubou do poder o presidente João Belchior Marques Goulart, o Jango. E, na reportagem sobre o saque ao supermercado, o repórter Bruno Cattoni disse na notícia que um telefonema à redação avisara do ataque ao estabelecimento comercial.
- Aí, Athaliba, foi bandeira demais e a casa caiu, né?
- Marineth, o meu horário de trabalho era das 17h às 24h. E, antes de sair da emissora, passei o plantão para o Cattoni, que trabalhava na madrugada. Ele, então, ao invés de falar na abertura da matéria que a equipe de reportagem passava pelo local e registrou o flagrante, disse, porém, que a redação recebeu telefonema sobre o saque. Isso serviu de combustível para aquele delegado da PF iniciar a investigação, me questionando, como responsável pelo plantão.
- Daí, Athaliba, como foi o interrogatório?
- Marineth, o delegado, logo de cara, me perguntou se fora meu pai ou minha mãe que me dera o nome de batismo. Diante do meu silêncio indagou quem avisara à redação que iria haver o saque. Vi no seu olhar tentativa de me incriminar como cúmplice do saque. De forma áspera, sem titubear, respondi que não era policial. E, sim, jornalista. Ele ficou irritado, o que levou o Alcione a quebrar o clima de animosidade. Pergunta vai e, sem resposta, com minha postura, pressentindo que não arrancaria nenhuma informação útil ao processo, deu por fim o meu depoimento.
- Athaliba, ocê foi um dos coordenadores de Carnaval na emissora?
- Marineth, em 1984, a emissora perdeu a data histórica de transmitir o desfile das escolas de samba, na inauguração da Passarela Professor Darcy Ribeiro, conhecida como sambódromo. Depois, o diretor de jornalismo, Armando Nogueira, fez mea-culpa. A transmissão pela Manchete foi conduzida pelo jornalista Mauro Costa, que saíra da TV Globo. Mas, nos anos anteriores e subsequentes àquela data, preparei textos dos enredos e das estruturas das agremiações para auxiliar o casal de apresentadores Eliakim Araújo e Leila Cordeiro, na transmissão dos desfiles.
- Athaliba, intuísse que ocê tem outros casos vividos na Vênus Platinada. Quer contar? E como se deu a sua despedida da emissora?
- Em outra oportunidade, Marineth, pode até ser: expor a liberação para atuar de forma exclusiva no SJPMRJ; da viagem pra Cuba e do atentado do Riocentro. Por ora fico por aqui, recordando a frase que me acompanhava na emissora: - “Estou indo embora, mas, deixo o Lenin no meu lugar”. A frase é do jornalista e companheiro de militância política André Motta Lima. No mais, a saudade dos papos com o ator, poeta e compositor Mário Lago, nos corredores do prédio da Vênus Platinada, e de tantos outros amigos que fiz na trajetória profissional. Oh, Saudade!!!
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