Brasil

Mutum-do-bico-vermelho retorna à Mata Atlântica após 50 anos extinto no Parque Estadual do Rio Doce

Espécie símbolo da fauna brasileira reaparece em seu habitat original com apoio de projeto ambiental que une ciência, educação e participação comunitária

Belo Horizonte - Após cinco décadas de ausência na natureza, o mutum-do-bico-vermelho (Crax blumenbachii), uma das aves mais ameaçadas da fauna brasileira, voltou a habitar a maior área contínua de Mata Atlântica em Minas Gerais. A espécie, considerada criticamente ameaçada pela Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), está sendo reintroduzida no Parque Estadual do Rio Doce, por meio do projeto “De Volta ao Lar”, idealizado pela Associação de Amigos do Parque (DuPERD) em parceria com o Instituto Estadual de Florestas (IEF).

A ação faz parte de um esforço nacional para reverter a extinção local da espécie, que desapareceu da região nas décadas de 1960 e 70, sobretudo em função da perda de habitat e da caça. O retorno do mutum marca um passo importante na restauração da biodiversidade da Mata Atlântica, um dos biomas mais devastados do país — hoje restam apenas 12,4% da sua cobertura original, segundo dados da Fundação SOS Mata Atlântica.

“O objetivo principal é que o mutum volte a fazer parte do ecossistema e da cultura das populações locais”, afirma Gabriel Ávila, analista ambiental do IEF e coordenador do projeto. “A gente quer reatar o vínculo entre as pessoas e essa espécie que quase desapareceu”, complementa.

Desde 2023, cerca de 30 indivíduos foram soltos na região conhecida como Ponte Perdida, dentro do parque. O local foi escolhido por sua relevância ecológica e condições favoráveis à sobrevivência da espécie. Segundo os responsáveis pelo projeto, os primeiros resultados são animadores: aves nascidas na natureza já foram avistadas a mais de 20 km do ponto de soltura, e um casal com filhote foi identificado, sinalizando sucesso reprodutivo.

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Mutum-do-bico-vermelho. Foto: Gabriel Ávila - 

“O mutum é um plantador de florestas. Ao trazê-lo de volta, beneficiamos todo o ecossistema”, explica o biólogo Luiz Eduardo Reis, consultor do projeto. Isso porque a ave exerce um papel fundamental na dispersão de sementes, contribuindo para a regeneração natural da floresta.

A reintrodução conta com o apoio de instituições como a Cenibra, que desde os anos 1990 colabora na reprodução e soltura da espécie, a partir da Reserva Particular Fazenda Macedônia, em Ipaba (MG). A Fundação Crax, referência na criação e conservação de aves ameaçadas, também atua desde o início do processo.

Além do aspecto ambiental, o projeto também investe em educação ambiental e engajamento comunitário. Estudantes, professores e moradores de comunidades do entorno do parque participam de oficinas, atividades educativas e recebem materiais didáticos, como gibis sobre a fauna local.

“O projeto tem impacto não só ecológico, mas também social”, reforça Luiz Eduardo Reis. “As pessoas estão relatando avistamentos do mutum em áreas verdes próximas, o que mostra que a ave está se reintegrando ao cotidiano local.”

O projeto é financiado até dezembro de 2025 pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), e reúne ainda o apoio da Sociedade Zoológica de Londres (ZSL), do Instituto Nacional da Mata Atlântica e de instituições de ensino da região.

Com 36 mil hectares de floresta preservada, o Parque Estadual do Rio Doce, criado em 1944, é um dos principais refúgios da biodiversidade no estado. O retorno do mutum-do-bico-vermelho reafirma o papel estratégico de áreas protegidas na conservação da fauna brasileira.

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