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Promotora revela bastidores de esquema de fraudes em aposentadorias no DF que antecipa golpe nacional

Investigação iniciada em 2018 no Distrito Federal expôs fragilidade no sistema de descontos em folha e revelou conexões com megaoperação deflagrada pela Polícia Federal anos depois

Marcelo Camargo / ABR - 

Brasília - Em entrevista à Agência Brasil, a promotora de Justiça Fabiana Giusti revelou detalhes sobre uma investigação iniciada em 2018 no Distrito Federal que antecipou o que mais tarde se tornaria um escândalo nacional. A apuração local expôs um esquema de fraudes em aposentadorias e pensões com o uso indevido de descontos em folha de pagamento, prática que acabou lesando milhares de idosos em todo o país.

“Senti que estava vendo algo familiar. Pensei comigo mesma: 'Meu Deus! Tudo o que já tínhamos apurado aqui, no Distrito Federal, anos antes, estava, agora, acontecendo em uma esfera maior'”, disse a promotora ao comentar a megaoperação deflagrada pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU) no dia 23 de abril de 2024, batizada de Operação Sem Fronteira.

Entre 2018 e 2020, Fabiana Giusti e outros membros do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) investigaram um golpe regional que apresentava as mesmas características da operação nacional. A apuração local levou à deflagração da Operação Strike, que reuniu provas contra uma suposta organização criminosa especializada em fraudes contra ex-servidores públicos do DF.

Durante a operação, foram apreendidas fichas de associação a entidades de fachada, autorizações para desconto em folha, contracheques e dados pessoais de aposentados. A promotora explicou que essas autorizações eram encaminhadas aos órgãos públicos distritais, e não ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), como ocorria no golpe nacional.

As investigações no DF revelaram irregularidades em seis associações, que entre julho de 2017 e abril de 2019, receberam juntas mais de R$ 763 mil em mensalidades de aposentados — valor cuja origem legal é, em muitos casos, questionável. “O processo distrital tem um número de vítimas expressivo. Acreditamos ter conseguido identificar grande parte delas, mas muitas só souberam dos descontos ao serem chamadas para depor”, afirmou Giusti.

Segundo a promotora, o esquema envolvia o uso de entidades de fachada e falsos corretores que se apresentavam como representantes de serviços legítimos para ludibriar as vítimas. Muitas vezes, esses corretores visitavam os aposentados em casa, oferecendo supostos recadastramentos ou melhorias em serviços, como seguros, para induzi-los a assinar autorizações de desconto.

“Havia pessoas que se revezavam à frente das entidades e corretores que recebiam comissões pelas fraudes. Em escutas autorizadas pela Justiça, foi possível identificar a atuação coordenada entre os envolvidos, inclusive indicando parentes para cargos nas associações”, relatou.

Além das fraudes estruturadas, a promotora destacou a conivência de servidores públicos, que teriam facilitado o acesso a dados sigilosos das vítimas, a maioria delas ex-servidores das secretarias de Saúde e Educação do DF. Com essas informações, os golpistas sabiam exatamente quanto as vítimas recebiam e o quanto poderiam descontar.

Em 2020, o MPDFT denunciou 26 pessoas, e em novembro de 2023, 17 delas foram condenadas em primeira instância. Entre os condenados está Domingos Sávio de Castro, que também é citado na Operação Sem Desconto, uma vertente da investigação nacional. Ele é apontado como sócio de Antonio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”, em empresas de telemarketing ligadas ao esquema.

A promotora Fabiana Giusti ressaltou ainda a reincidência de alguns dos investigados. “No curso do processo, algumas pessoas que estavam sendo processadas foram detidas novamente por crimes semelhantes. Isso não me causa surpresa, pois a pena para esse tipo de crime é muito pequena”, lamentou.

A Operação Sem Fronteira, deflagrada pela PF e CGU, ampliou o escopo da investigação e confirmou o padrão nacional da fraude. A Controladoria-Geral da União, em relatórios recentes, estima que mais de 1,5 milhão de brasileiros já foram afetados por descontos indevidos nos benefícios do INSS, segundo levantamento publicado pela Agência Brasil em abril de 2024.

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