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Ação Popular questiona reajuste salarial do prefeito de Itabira e pede devolução de valores aos cofres públicos por violação à LRF

Reajuste aprovado no “apagar das luzes” contou com manobra liderada por ex-opositor do governo

ITABIRA (MG) Está em análise na Justiça uma Ação Popular que contesta o reajuste salarial concedido ao prefeito de Itabira (MG), Marco Antônio Lage (PSB), ao vice-prefeito Pastor Marco Antônio Gomes (PRD) e aos secretários municipais. O aumento foi aprovado pela Câmara Municipal em sessões extraordinárias nos dias 30 e 31 de dezembro de 2024, entrando em vigor já no dia 1º de janeiro de 2025, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

A denúncia da manobra foi publicada pelo portal O Folha de Minas no dia 9 de junho, e chegou ao conhecimento do advogado Hélio Eduardo de Paiva Araújo, especialista em Direito Público.

As leis municipais nº 5.588 e 5.589/2024, sancionadas em tempo recorde pelo então presidente da Câmara, vereador Heraldo Noronha Rodrigues (Republicanos), são agora alvo da ação movida pelo advogado Hélio Araújo, protocolada em 24 de julho. Os processos tramitam nas 1ª e 2ª Varas Cíveis da Comarca de Itabira, sob os números 5006195-24.2025.8.13.0317 e 5006199-61.2025.8.13.0317.

A ação, com pedido liminar para suspenção imediata dos efeitos das leis, requer a declaração da nulidade dos atos que fixou os subsídios do Prefeito, Vice e Secretários Municipais e que os valores pagos com base no reajuste sejam devolvidos aos cofres públicos.

“O que se propugna com essa ação popular é demonstrar que é nulo o ato normativo que aumenta despesa com pessoal nos 180 dias que antecedem o fim do mandato”, diz a petição inicial.

Salários subiram 25,3%

Com o reajuste, o salário do prefeito passou de R$ 26.609,60 para R$ 33.341,83. Já os vencimentos do vice-prefeito e dos secretários municipais saltaram de R$ 16.329,60 para R$ 20.492,28 — um aumento de 25,3%.

A medida contrasta com o discurso de austeridade adotado pela própria gestão. Em maio de 2025, o prefeito Marco Antônio Lage publicou um decreto de contenção de despesas, que incluiu redução da frota de veículos; corte no cartão-alimentação de comissionados; suspensão de obras com recursos próprios; proibição de novas contratações e compras; redução de horas extras e viagens, porém, não falou em redução dos subsídios do alto escalão, o que só foi proposto recentemente, após as denúncias de irregularidades feitas pelo O Folha de Minas.

A estimativa é que a anulação do reajuste represente economia superior a R$ 5 milhões.

Articulação política no apagar das luzes

A aprovação dos aumentos só foi possível após uma reviravolta política. Os Projetos de Lei nº 95/2024 e nº 96/2024 — que tratavam dos subsídios do Executivo e do secretariado — foram aprovados inicialmente em 17 de dezembro e logo em seguida, estrategicamente vetados pelo prefeito. Depois, em sessões extraordinárias de fim de ano, os vetos foram derrubados pela Câmara e as leis nº 5.588 e 5.589/2024 foram então sancionadas pelo presidente da Casa, Heraldo Noronha, já no dia 31 de dezembro.

Marco Antonio Lage e Heraldo Noronha
Prefeito Marco Antonio Lage (E) e o vereador e ex-Presidente da Câmara, Heraldo Noronha Rodrigues (D). Foto: Ascom/PMI

A postura de Heraldo causou estranheza. Conhecido opositor do governo, ele passou a apoiar a gestão após uma articulação política conduzida nos bastidores, após a reeleição de Marco Antônio Lage, e foi peça fundamental para garantir a aprovação dos aumentos, segundo apuração do portal O Folha de Minas.

“É evidente que houve uma combinação prévia. Não se aprova um aumento, veta-se e depois derruba o veto sem que haja um acordo”, avaliou um analista político ouvido pela reportagem.

Precedentes em outras cidades

Casos semelhantes já foram considerados inconstitucionais pela Justiça em outras cidades. Em Manaus (AM), Cáceres (MT), Ponta Grossa (PR), etc., os reajustes aprovados em período vedado pela LRF foram anulados judicialmente. Nos casos, a ausência de parecer da Comissão de Orçamento e Finanças, a inexistência de estudo de impacto financeiro e principalmente o descumprimento do prazo de 180 dias foram considerados suficientes para declarar a nulidade dos atos legislativos.

Também no município de Itatiaiuçu (MG), a Lei Municipal nº 1.570/2024, que previa reajuste salarial nos mesmos moldes, foi suspensa por liminar após ação popular. O advogado Hélio Araújo, que também atua neste caso, afirma que a prática é recorrente, mesmo sendo vedada pela legislação.

Em Itabira, a expectativa é que o Judiciário também suspenda o reajuste e determine o retorno aos valores anteriores: R$ 26.609,60 para o prefeito e R$ 16.329,60 para vice e secretários. Também poderá haver ressarcimento dos valores pagos desde janeiro, com correção monetária.

Benefício para a população

Para o autor da ação, o caso de Itabira revela uma prática recorrente e lesiva ao interesse público.

“As câmaras municipais continuam insistindo nessas manobras, apostando no descuido da população. A LRF é clara: nenhum subsídio pode ser aumentado nos últimos 180 dias de mandato”, afirmou o advogado Hélio Araújo.

Se o reajuste for derrubado, os recursos economizados poderão compensar cortes que afetam diretamente a população, como os realizados no cartão-alimentação e nas obras públicas.

“A ação popular é o remédio constitucional contra o avanço de interesses particulares sobre o orçamento público. É hora de dar um basta nessas práticas”, concluiu

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