Caso Miguel completa 5 anos: mãe critica morosidade da Justiça enquanto se forma em Direito
Mirtes Santana apresenta TCC sobre escravidão moderna e espera posicionamento do MPPE antes do julgamento da ex-patroa Sari Corte Real

Brasília - Nesta terça-feira (10), Mirtes Renata Santana — ex-empregada doméstica e mãe de Miguel, que morreu aos 5 anos após cair de um prédio em Recife — vive um momento de tensão e esperança. Próxima de concluir a graduação em Direito, ela apresentará seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre escravidão moderna. O tema reflete sua trajetória de luta e sofrimento desde a tragédia em 2 de junho de 2020, quando levou o filho para o trabalho por falta de creche durante a pandemia.
Mirtes ainda aguarda o pronunciamento do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), previsto até 16 de junho. O parecer é decisivo para definir as responsabilidades penais da ex-patroa, Sari Corte Real, antes de a Segunda Instância do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) julgar o caso.
Antecedentes judiciais
Em primeiro grau, Sari foi condenada a 8 anos e 6 meses de prisão por abandono de incapaz com resultado em morte. Em novembro de 2023, a pena foi reduzida para 7 anos em regime fechado, mas recursos ainda estão em curso e ela segue em liberdade. O TJPE, por meio de embargos de declaração interpostos pela defesa, iniciou um novo ciclo de avaliação. De acordo com o Tribunal, os documentos aguardam análise do desembargador relator Cláudio Jean Nogueira Virgínio, com orientações posteriores ao gabinete do desembargador Eudes França.
Mirtes aponta a lentidão do processo como “morosidade” e “racismo”, destacando que Sari continua vivendo sem restrições, com passaporte ativo, mudança de endereço não comunicada e até matriculada em curso de medicina.
“O que vem acontecendo hoje é um absurdo. O Tribunal de Justiça de Pernambuco está beneficiando a Sari. Está dando a ela o privilégio de seguir a vida como se nada tivesse ocorrido”, afirmou à Agência Brasil.
Para a mãe, só quando o caso chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) haverá uma resposta final. Enquanto isso, Mirtes acumula funções: estuda para passar no exame da OAB e trabalha na Assembleia Legislativa de Pernambuco.
TCC e trajetória de luta
O TCC de Mirtes mergulha no conceito de trabalho escravo contemporâneo, enfocando a proteção jurídica das trabalhadoras domésticas. Ela diz:
“Eu estou falando sobre trabalho escravo, contemporâneo e direitos fundamentais. Faço uma análise da proteção constitucional brasileira com foco nas trabalhadoras domésticas”.
A jornada acadêmica surge de suas vivências — o impacto da perda do filho e a exploração no trabalho. No próximo ano, ela pretende prestar a OAB e atuar juridicamente em busca de reparação e justiça.
Defesa, acusação e próximos passos
A advogada assistente da acusação, Marília Falcão, critica a desigualdade de tratamento entre ré e vítima. Ela pede aumento de pena, ajustes na sentença e retirada de cláusulas que revitimam Mirtes. Já o advogado de defesa, Célio Avelino, sustenta que se trata de “acidente fortuito” e questiona a qualificação de crime, citando divergências nos votos dos desembargadores e a perícia.
O processo segue aguardando manifestações das partes e do MPPE, e depois será submetido ao julgamento colegiado na 3ª Câmara Criminal do TJPE. Só após esgotados recursos em segunda instância é que se iniciará a execução da pena.
Para o professor Hugo Monteiro Ferreira, do Instituto Menino Miguel (em parceria com a UF Rural de Pernambuco), o caso exemplifica o racismo estrutural: se Mirtes tivesse cometido o erro, certamente estaria presa. Ele afirma:
“Penso que se Mirtes fosse a condenada… certamente não estaria solta, cursando medicina, transitando leve e livre”.
Ferreira alerta a sociedade sobre a urgência de não aceitar a banalização da violência e da demora judicial, ressaltando que Mirtes “busca justiça” com determinação .
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