Colunas

AMOR E JULGAMENTO

Juiz de Fora (MG) – A imparcialidade seria a ausência do amor? Podemos julgar amando?

Quem ama tem todas as justificativas do mundo para perdoar, para encontrar coisas boas onde só existem as más. É ser tolo o suficiente, leigo o suficiente para não ver coisas onde todos veem. E, por isso, o amor é cego, tonto, se esvai pelos cantos como um ébrio em busca de mais um copo para se embriagar mais.

O amor é a ausência de tudo isso e, ao mesmo tempo, é tudo isso dentro de um mesmo pacote. Mas como seria julgar alguém se não colocarmos uma dose de amor no nosso juízo, se não colocarmos um pouco de empatia, um pouco de compreensão para julgar o ato de alguém? Ver alguém com a frieza do raciocínio nos leva apenas a um lugar onde existe a utopia de imaginar um mundo matemático, sem sentimentos e irreal, em suma, sem humanidade. Não há frieza de raciocínio se não houver a ausência da compaixão e da compreensão.

Foto: Benjamin Cheng | Unsplash. 

Dizem alguns que a história é cruel. Pasmem, não imaginam quem faz a história?

Somente os canalhas e os mal-intencionados não colocam uma visão humanitária sobre todo e qualquer julgamento. Mas os genocidas, os idólatras e os criminosos, onde ficam? Um julgamento ou uma vingança? A sociedade julga e afasta e não mata, porque  não se pode pensar como um criminoso contra aqueles que praticam o crime. Isso seria um pouco de amor, no caso? Creio que o amor seja uma religião ou outra maneira de ver o outro. A punição nunca pode ser desproporcional, no sentido de aquele que tem o poder de fazer o que bem quiser com o outro.

Por isso, o amor não é somente uma relação entre entes, ele é uma relação com o próximo. E o próximo não é uma relação de escolha pessoal, ele é, antes de tudo, uma relação humanitária.

Se descolarmos a ideia do amor como um sinal de compaixão, de afeto, de apego ou de paixão, veremos que o amor, em síntese, é tentar ver no outro os motivos para o ato que comete. Muitas vezes, nosso julgamento é abalroado pela nossa sede de vingança, nossa pressa em julgar e condenar, porque todos têm seus interesses e desejos. Se desejamos um mundo mais justo, devemos ser justos nos nossos julgamentos, e somente  o amor, eu acredito, é capaz de abrandar todas as celeumas.

No entanto, amor não é dar a face, simplesmente, para sermos crucificados. Amor também é preservação, tanto da nossa integridade quanto da integridade dos outros. Por isso, a vingança e a revanche não podem estar no ato de julgar.,

Podemos compreender os erros da pessoa amada, mas não precisamos aceitar a vida com ela, porque julgamos o ato cometido como uma injúria pessoal, uma traição. Deixar o outro seguir seu caminho, sem procurar interrompê-lo e não o eliminando fisicamente, é o melhor ato de amor que podemos fazer. Se julgamos que seja no silêncio, é seguir a vida em frente, e é, em suma, o amor-próprio aquele que nos sustenta.

Nilson Lattari

392 Posts

Crônicas e Contos

NILSON LATTARI é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br, vencedor duas vezes do Prêmio UFF de Literatura (2011 e 2014) e Prêmio Darcy Ribeiro (Ribeirão Preto 2014). Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. "Ambos levam ao infinito, porém, em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação".

Comentários